quinta-feira, 25 de novembro de 2010

#50 - Uou

E o quinquagésimo post me chega
Assim, de mansinho
Quase sem ser notado

Sem tanta graça
Nem trema

Mas não pode passar em branco
Ou preto

Passa com um poema tal
Tão amador
Que só rima no final

Ou não.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Diálogo

- Pois então, como estava dizendo: não tem como argumentar com eles.
- Hum-hum.
- Entende, simplesmente usamos partes diferentes do cérebro para pensar a mesma coisa. Quero dizer, pelo menos eu uso alguma parte do meu cérebro.
- Não entendi o ponto.
- O ponto é o seguinte: não adianta discutir. Não serve pra nada esse monte de discussões; eu sei que eles estão errados, mas eles não notam. Se parassem para entender o que eu estou dizendo, com certeza mudariam de opinião.
- Hmm, acho que entendi. Passei pela mesma situação hoje mais cedo.
- É? Como foi?
- Foi normal. Eu fui comprar uma milfolhas, você sabe, cobertura de açúcar, recheio com aquele negócio amarelo com que se faz quindim...
- Também não lembro o nome.
- ...ok. Recheio com aquele negócio, e, sabe, a massa folhada com as tais mil folhas. Eu sou particularmente tarado pela cobertura de açúcar, o resto me é até dispensável. Então, como eu dizia, eu fui comprar a milfolhas na padaria aqui perto, e pedi pra atendente da padaria...
- A padeira?
- Não, acho que não. Essa é a que fica lá atrás, não vem pra atender.
- Ah, sim.
- Eu pedi pra atendente da padaria o pedaço de milfolhas que tivesse a camada mais grossa de açúcar. Expliquei pra ela minha tara secreta pelo açúcar...
- ...e ela te deu um tapa?
- Não! Quer dizer, eu não expliquei pra ela nesses termos.
- Hum-hum. Tá, mas o que isso tem a ver com o que eu te disse?
- É... poxa, me esqueci. Ah, não, me lembrei. Então, quando eu falei pra ela da minha predileção pela camada de açúcar, ela falou que para ela essa era a parte menos gostosa, e que quando ela comia milfolhas ela deixava essa parte inteira no prato. Eu fiquei embasbacado. Como podia alguém não gostar da parte do açúcar? Ainda mais uma profissional da área! Ela dizer isso era praticamente um argumento de autoridade, eu não tinha muitas armas com as quais ir contra.
- De fato.
- Bem, me recompus e vim-me embora com aquilo na cabeça. Cheguei em casa e me decidi a entender como alguém poderia não gostar. Sério, enquanto comia eu saboreava a parte do açúcar e as outras partes, me esforçando por encontrar alguma falácia no sabor, alguma inconsistência lógica que justificasse o gosto da atendente da padaria. Queria entender como era possível não gostar do açúcar.
- E aí?
- E aí que eu agora não suporto mais a parte do açúcar.
- Ué, mas por quê?
- Porque eu entendi.


***

Certos debates não irão nunca a lugar nenhum, porque ambos os lados da questão estão mais interessados em vencer o debate do que em mudar de opinião caso se descubra que a própria opinião é equivocada.

O que você acha?

Abraço!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Autor Convidado - Marcus V. de Oliveira Gomes

Caso vocês não saiam muito de casa, não tenham acesso à televisão ou internet, eu tenho uma notícia para lhes dar: nós vivemos num mundo dividido.

De uma lado, temos delírios de pessoas que estudam e trabalham. Se houver algum outro verbo em meio a esses dois, é lucro. Delírios consumistas, o motor de uma sociedade que se importa mais com o lucro e luxo do que com o próprio progresso. Uma sociedade programada, onde a liberdade é uma utopia jamais conquistada. Somos condicionados. Tudo o que desejamos, o que almejamos, nós somos treinados para querer. Somos, até agora, uma geração sem expressão na história. Não vivenciamos alguma grande guerra, não sobrevivemos alguma grande crise que deixou todo mundo na miséria, nem derrubamos algum grande ditador ou presidente corrupto. Não temos a nossa face, a nossa marca. Não temos os nossos "anos 80" nem nosso "woodstock".

Do outro lado temos uma força nova, com um poder que não imaginamos, mas fazemos alguma ideia. Um terror inimaginável que cresce e se espalha, tomando novas formas e proporções. São essas as pessoas que passam a vida inteira de bunda pra cima rezando pra um ser imaginário. Uma alienação de mentes em massa que aterroriza quem? O nosso lado.

E essas são as duas grandes massas que formam essa guerra fantasma. Duas facções de alienados, explorados, pequenos seres iludidos que não podem sequer imaginar que a existência ou não deles não fará a mínima diferença na ordem do universo. Somos egoístas em pensar que somos uma raça importante. Não pensamos quando travamos guerras.

E em meio a esse caos, há os outros. E eu te pergunto...

... e nós?

***

Esse texto foi escrito pelo Marcus, que escreve no blog I Only Own My Mind, muitíssimo recomendado por mim, ;)
Muito obrigado pela participação, xará!

Abraços pra todos!

sábado, 11 de setembro de 2010

Pra não deixar passar

Em um dia fatídico como hoje, eu não poderia deixar de escrever alguma coisa.

Afinal, o dia 11 de setembro é a prova cabal de duas coisas:

a) o argumento ad nauseam e a lavagem cerebral funcionam;

b) a fé move montanhas. E derruba prédios.

Abraço!

Que Alá esteja com vocês!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Fogo nos Olhos

As discussões sobre direitos e igualdades entre os homens são sempre eventos interessantes e estimulantes, como a maior parte das discussões filosóficas. Mas, por outro lado, e ainda como a maior parte das discussões filosóficas, elas podem levar a alguns becos sem saída, algumas verdades que comem o próprio rabo (também conhecidas pelo nome musical “paradoxo”) e outras coisas que devem ficar uma maravilha na feijoada.

Todos concordam que ninguém é mais do que ninguém, que todo mundo deve ser tratado igual, que somos todos iguais e que julgar os outros é errado. Isso é uma verdade universal, veio escrita na pedra e todos devem aceitar.

A hipocrisia, é claro, é um mal humano e também devemos aceitá-lo. Eu sempre tentei não julgar ninguém, sempre esperar o melhor das pessoas e de um modo geral pressupor que todos que eu não conheço são pessoas interessantes. Mas não dá, não sei se porque eu sou muito cricri e vou ser um velho solitário que só conversa com as enfermeiras no asilo, ou se porque a maioria das pessoas é desprezível mesmo, mas é dessa forma que as coisas me parecem agora: algumas pessoas simplesmente não estão conectadas ao mundo como as outras. Algumas pessoas tem aquela centelha nos olhos, a fagulha de consciência que demonstra que ela está funcionando em ressonância com os demais ao redor.

Essa coisa sutil de que falo é um sentimento que às vezes tenho em relação a algumas pessoas. Não se trata apenas de inteligência, ou apenas de esperteza, ou apenas de consciência*; essas pessoas são aquelas que têm uma boa conversa, que dão a impressão de terem sido crianças curiosas (e, por isso, terem crescido com essa característica). Elas estão em equilíbrio entre o mundo de cá, que todos partilhamos, e o mundo de lá, que é de cada um de nós separadamente. Ou o mundo de fora e o de dentro, depende o ponto de vista.

As pessoas que não tem essa faísca no fundo dos olhos são as “outras”. Não tenho vocabulário para expressar o que acho exatamente delas. É só que simplesmente elas parecem ser personagens fracos de uma novela escrita por um amador; são puramente reativas, suas ações podem ser facilmente previstas a partir dos estímulos que recebem; são aquelas que são sempre manobradas** nas discussões.

Ter que lidar com gente assim é uma das coisas que me enfudece a paciência, mas isso é assunto para outro post.

Eu me sinto um pouco mal por pensar assim – me impaciento com as pessoas “apagadas”, porque acho uma afronta pessoal elas passarem pela vida tão a passeio, e porque não me sinto superior o suficiente para simplesmente ignorá-las – mas não consigo evitar. E isso também pode vir em outro post.

Acho que já desabafei o que estava querendo escorrer pela orelha. Olhar o horário político me faz pensar muito na natureza humana e, entre outras coisas, me assustar com o quanto algumas pessoas se esforçam para serem vermes. Espero ter passado bem a ideia da centelha, é algo que me acompanha já desde antes do horário político.

Abraço!

*A consciência que falo aqui é aquela de se estar presente quando se está fazendo algo. Talvez não o tempo todo, porque em alguns momentos nos obrigamos a fazer algo mecanicamente; mas (e isso também me deixa puto) determinados indivíduos parecem viver a vida inteira no piloto automático.

**Essa manobra não quer dizer que eles têm a vontade manobrada. Quero significar aquelas pessoas que ou nunca mudam de opinião ou nunca têm uma opinião. Os “café-com-leite” que ninguém leva realmente a sério, cujos insultos ninguém acata, cuja ausência ninguém lamenta.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Modinhas

Que mundo feliz seria um em que quem lesse esse título não entendesse de primeira sobre o que eu quero falar. Os mais vividos talvez pensaram naquelas musiquinhas, cantigas cantadas com violão e tal, da infância, mas os mais urbanos sabem que me refiro a algo mais atual. As modinhas são essas idéias (memes, diria Richard Dawkins) que pegam rápido, e que logo desaparecem, mas não sem antes deixar alguns estragos cerebrais pelo caminho.

O exemplo mais antigo de que lembro é Harry Potter. Eu mesmo fui e sou um fã ardoroso da série, mas só posso responder por mim, que sei que li a série do bruxo adolescente e que gosto dela não apenas porque o resto do mundo também gosta, mas porque gosto do ritmo de leitura dela e porque a escritora de fato escreve bem. A maioria dos fãs, no entanto, não leu por causa disso; leu porque virou moda ler Harry Potter.

Mais tarde, ainda me detendo ao âmbito literário da coisa, a série chegou ao sétimo livro e acabou. Os editores mais espertos perceberam a óbvia vaga de nicho que a série deixou ao abaixar os 200 graus de febre, e vieram numerosas tentativas de atingir novamente o público-alvo, dos quais o relançamento daquele livro sobre um bruxo de óculos que tem uma coruja (só que esse voa em um skate; acho que é Livros da Magia, *ACHO*) e a Trilogia da Aliança (Eragon, Eldest, Brisingr) são só duas que me vieram na cabeça agora. Foi isso até que...

...até que uma escritora(?) mórmon, deitada confortavelmente em sua cama a noite, teve um sonho em que via um casal conversando. O homem era um vampiro que brilhava ao sol, a mulher era na verdade uma garota que estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele. No dia seguinte ela começou a escrever a série Crepúsculo. Pegou. Volto a ela mais tarde, porque não é só de literatura de que vivem as modinhas.

As modinhas também ocorrem na música, e aqui estão intimamente relacionadas com o vestuário de quem escuta. Primeiro eram os metaleiros e maloqueiros; a seguir os góticos; então os emos; seguindo estes, os “happyemo” e os coloridos, que eu já nem sei mais se não são ambos a mesma coisa. Cada grupo teve suas bandas favoritas (e efêmeras) e costumes favoritos (precisa dizer da duração também?).

Não tenho nada contra nenhum deles, no geral, até porque pelo Politicamente Correto ninguém pode ter nada de grave contra ninguém mesmo, mas o que me chama a atenção é a de que muitos dos que seguem essas modas só o fazem por... por algum motivo que não sabem. Talvez os primeiros metaleiros de fato gostariam de experimentar uma vida sem medo de dor; os demais vieram ser metaleiros como desculpa para acabar com a voz fazendo guturais e bater em homossexuais a noite. Os primeiros emos estavam mesmo chateados com a individualização nefasta (rá!) que os avanços tecnológicos nos trouxeram, e procuraram mesmo a emoção em um mundo cada vez mais racional; mas os demais se tornaram emos porque queriam ser diferentes, porque queriam mostrar para todo mundo como gostavam de Simple Plan e de NxZero.

Dos coloridos nem se fala. Esses eu não consigo visualizar como um grupo que começou com os “de verdade”. Mesmo os primeiros já eram coloridos por quererem ser diferentes.

{ Os hippies queriam um novo estilo de vida, menos consumista, menos guerra, mais amor. Os comunistas brasileiros queriam o fim da ditadura, mais democracia, menos ganância, mais justiça. Os jovens de hoje querem o quê mesmo?}

Não quero ser o dono da verdade aqui, até porque criticar modinhas também é modinha, de certa forma. Pelo menos no Orkut (que era modinha, agora virou essencial; Twitter, formspring e assemelhados vieram tentar fazer o que o Orkut fez, mas não tiveram tamanho êxito), onde também havia, por exemplo, a modinha das comunidades dos trechos de livros (geralmente Harry Potter ou Crepúsculo), e agora tem a das comunidades “enumeradoras”: 10 coisas para se fazer na aula, 100 formas de criar uma modinha, 947 verdades sobre Chuck Norris. Eu estou na do Chuck Norris, me dobro de rir das piadinhas.

Como eu dizia, não quero ser o dono da verdade. Nunca escutei Cine, Restart, Justin Bieber e outras bandas coloridas para dizer se é bom ou não, mas também não tenho interesse. Independente da qualidade, por quê as criaturas se entregam a esse tipo de fanatismo? Ou no caso de Crepúsculo, esse tipo?

(voltando aos vampiros purpurinados, como eu disse que faria)

Não é uma série ruim, ela te prende e faz ter vontade de ler mais, como o Dan Brown faz. Dizem que ele tem um Gerador Dan Brown que produz histórias (mistérios antigos + teorias novas + sociedades secretas + o mundo depender disso), mas vende. Crepúsculo também, do ponto de vista “técnico” de escrita é ruim, mas as pessoas gostam. Eu mesmo só parei de ler porque me anojei da série, porque virou modinha e tal. Harry Potter ainda tem algumas reflexões sobre a morte, idéias profundas sobre o que é a amizade e tramas lógicas; em Crepúsculo o que tem é ignorado por quem lê.

A pergunta que fica é: POR QUÊ fazem tanto sucesso essas séries e essas bandas que, embora não sejam ruins no fim das contas, não perdem em nada para outras coisas do tipo? O que leva os fãs a serem tão (aparentemente) descerebrados e rebeldes, mesmo com tanto acesso a informação, educação, com tantas facilidades?

A resposta (a parte mais difícil do texto), eu deixo com você, leitor fiel, meu irmão camarada. O que você acha?

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Férias de Inverno

Não são muitos os que ainda vêm aqui, e eu mesmo sou um blogueiro insensível que não tem passeado pelos blogs amigos nem para dar um oi (até o ponto em que é possível “vir” até um site, “passear” por blogs ou “dar um oi” pela internet; mais estranho que escrever isso é saber que não geraria estranheza nenhuma se eu não comentasse), mas, para os alegres leitores que ainda estão aí, ou para os que acabaram de chegar, meu muito obrigado por estarem onde estão. É muito bom saber que tem alguém que lê o que eu escrevo, mesmo que seja raramente que ambas coisas aconteçam (eu escrever e alguém ler o que eu escrevo).

***

Uma teoria científica é diferente da ideia que geralmente se tem de “teoria”, algo hipotético e frágil. Uma teoria científica é uma explicação de alguma coisa, que consegue dizer corretamente como essa alguma coisa vai se comportar se você fizer ela ser estimulada de determinado jeito. Uma teoria científica é sempre inocente até que se prove o contrário, ou seja, enquanto não aparecer uma teoria melhor, é a antiga que prevalece; como, pela lógica, novas teorias são sempre mais próximas da Verdade do que as teorias antigas, o que acontece é que se uma teoria, hoje, é tida como correta, ela provavelmente está correta mesmo, a menos que apareça algum gênio com uma ideia melhor.

Por exemplo. Até o início do século passado ninguém pensava se o tempo passava rápido demais ou lento demais; todo mundo tinha o mesmo tempo, sem choro. Mas então veio Einstein com a Relatividade e tocou todo o conceito de tempo imutável no lixo, pisou em cima da lixeira, tocou fogo no que restou e espalhou as cinzas em uma sala escura, onde entrava um filete de luz pela janela, e deu uma aula sobre o movimento browniano das partículas de poeira por lá.

Aí as coisas fizeram sentido. Afinal, não era possível que, com um tempo imutável, o tempo parecesse tão curto de manhã quando você está atrasado pra sair ou tão longo quando você está louco para voltar para casa. Ou porque o caminho fica três vezes mais longo quando você está cansado, apesar de ter de fazer o mesmo caminho todos os dias.

Mas como isso é só uma teoria (das boas, mas ainda assim com as imperfeições inerentes às criações humanas), já estão querendo desbancá-la. Atualmente o submundo dos cientistas está fervendo atrás de uma Teoria de Tudo, algo assim que explicaria desde por quê o universo se expandiu assim e não assado até por quê a graça da programação de TV de domingo tende à zero. Uma das teorias que surgiram, julgo eu, em uma reunião de físicos teóricos, em que deve ter rolado muita marijuana e etcéteras (muitas etcéteras), é uma que simplesmente gospe no tempo.

Na verdade, segundo essa teoria, o tempo não existe, é apenas uma relação entre as coisas. Tipo o dinheiro, que não tem valor algum em si, mas serve para comparar coisas que tenham valor; só faz sentido dizer que um par de tênis custa R$100 porque a gente sabe quanto custam outras coisas. E essa é uma explicação de um leigo que leu uma explicação um pouco menos ruim em uma revista que fez um apanhado geral sobre o assunto, ou seja, a quantidade de verdade que você está lendo nesse parágrafo é inversamente proporcional ao que seria exigido em um texto sério. Portanto, se quiser algo mais confiável, leia a Scientific American (desse mês, eu acho).

Agora eu consigo pelo menos justificar para mim mesmo por que os trabalhos que meus queridos professores me deram para fazer nas férias ainda não estão feitos. Eles, aparentemente, não estão sabendo das reviravoltas científicas e acham que eu sou totalmente capaz de dilatar o tempo e assim fazer tudo dentro do prazo; mas, como agora já sei, eu nunca tive tempo de fazer trabalho algum, por que o Tempo não existe!

Ai, essa Física Moderna ainda me mata.

Vou ir dormir umas 10 horas, que, mesmo que não existam, serão bem agradáveis.

Abraço!

sábado, 12 de junho de 2010

Nem preto, nem branco: cinza

Em tempos mais felizes de ignorância e rudeza, o homem tinha mais liberdade. Não sei a mulher, mas o homem tinha. Tinha toda uma tribo de opções para copular, e sem apego. Mas veio a Evolução e determinou que os casais que tivessem relações sexuais também deveriam ter relações emocionais, assim tendo mais chances de cuidar dos seus rebentos até que esses, por sua vez, estivessem em idade suficiente para afogar o ganso e passar adiante os genes da monogamia.

E aqui cabe um salve pro pessoal da Xurupita. Eu sou um defensor ferrenho da Evolução, face às teorias pseudo-científicas que fazem tanto barulho dizendo que existem falhas no evolucionismo, desde o criacionismo mais bitolado, passando pelo criacionismo “episódico” até o mais enfeitado Design Inteligente. Só não sou mais militante porque me foi demonstrado empiricamente, obedecendo a um método científico, que eu não conseguiria manter um bom círculo de amizade caso virasse um desses fanáticos que não conseguem guardar o riso para o interior, que sentem sempre necessidade de polemizar, geralmente em momentos pouco oportunos. A maioria das pessoas vai seguir feliz a sua vida, mesmo que não se evangelize ou desevangelize elas. O que eu quis dizer, mas acabei não dizendo pela emoção do momento, é que apesar de ser um partidário da evolução, acho que ela errou feio em instituir o casamento.

Bom, feito o salve, retorno aos momentos felizes. E eram mesmo. Antes da Evolução meter o bedelho, a vida era uma festa: enquanto não nos matávamos caçando, nos matávamos em orgias selvagens, sem pudores, sem valores morais, sem roupas. Se tivesse sido inventado o vinho, lá estaria ele também. Mas não. Surgiu o namoro e o compromisso de cuidar de uma fêmea por vez. Game over, fim da festa Neandertal.

Não fosse a fundação do namoro, não existiria casamento, nem separação. Nossa, não existiriam as ex’s. Gente: não existiriam sogras. Isso, vocês terão de concordar comigo, é argumento suficiente. Mas enfim.

A maior parte dos problemas que temos hoje deriva daí. Sem o seu pilar mais fundamental que é a família, o governo não existiria, não poderia nos roubar nem zoar com nossa cara. Outras organizações, trabalho, escola, toda essa parafernália que usamos para dar algum sentido a nossa existência, para sanar a carência de que a Evolução nos impingiu ao cortar parte de nossa felicidade, não estariam aí. Zero por cento de estresse.

É claro, falarão, esses são maus necessários. O trabalho dignifica o homem; o estudo enleva o espírito; o homem é mais homem quando vive em sociedade. E eu concordo. Confraternizar com Baco o dia inteiro deve ser interessante, mas há algo que falta aí, alguma coisa na nossa cabeça não acha isso suficiente, decerto essa dúvida tenha sido plantada pela própria Evolução, como forma de evitar que se fizesse o que faço hoje aqui: falar mal de alguma escolha dEla. Que seja. Ela estava correta, ou pelo menos suponho que estava.

Mas nós não somos joguetes do destino. Estamos aí não só como peças no jogo, mas como participantes, que jogam também. Todos ao mesmo tempo, sim, gritando e falando juntos, sim, como em um pregão da bolsa. É o jeito. Mas inventamos a camisinha, o anticoncepcional e outros artigos de lazer. E notamos algumas coisas que o compromisso sugere: a) estando com alguém, acaba-se criando por esse alguém aquilo que chamamos de Amor, com letra maiúscula, e diz-se que isso é ótimo, perfeito, imaculado, idolatrado, salve, salve!, e também, no caso de não haver amor, pelo menos pode haver o resto; b) estando-se com alguém, você só pode estar com esse alguém; c) estando sozinho, pode-se estar com quem você quiser; d) geralmente, quando você está sozinho, nunca encontra ninguém para estar com você.

É a história da grama verde do vizinho. O homem é um eterno insatisfeito, que sempre quer mais. E por isso inventou aquilo que provou ser mais útil que o transistor, mais bonito do que eu, e não é um pássaro, não é um avião e nem o Super-Homem. É o relacionamento aberto. Vulgarmente conhecido como amizade colorida.

Une o melhor de dois mundos, e satisfaz os insatisfeitos. Em um mundo de mente aberta como o nosso, vai estar cada vez mais presente, vocês verão. Os nossos antepassados se orgulhariam de nos ver hoje: evoluídos o suficiente para reinventar os modos de nos relacionarmos uns com os outros, de certa forma retornando às antigas, e apesar de toda a desconcentração que isso gera, ainda manter vivos a Física Quântica, o Cálculo Diferencial e Integral e a série Lost, criações supremas da mente humana, outrora acorrentada a um parceiro pelo resto da vida.

Um abraço aí pra todos!

terça-feira, 25 de maio de 2010

42

2560, AD.

Depois da roda, da lâmpada, do laser e do desodorante roll-on, a invenção mais útil da humanidade foi a viagem no tempo. Os seus criadores jamais poderiam ter imaginado que um dia seria usada tão largamente como hoje, para os mais variados fins. Claro que, por necessitar-se de uma grande quantidade de matéria exótica para manter o buraco de minhoca aberto tempo suficiente para viajar no tempo e por ser a matéria exótica tão difícil de ser obtida em um universo chato como o nosso sem altíssimas quantidades de energia, os únicos que conseguem pagar por uma viagem são aqueles que têm dinheiro suficiente para alugar uma estrela e extrair, a partir dela, toda a energia necessária. Uma vez podendo-se viajar no tempo, basta voltar consideravelmente e abrir uma conta-poupança no seu próprio nome para que no futuro (o seu presente) você tenha (com os juros sobre juros sobre juros) todo o dinheiro que um dia você sonhou em ter para manter ativa a sua máquina do tempo.

Resolvido o problema do “como fazer”, as pessoas se voltaram para o problema mais interessante de “o que” fazer. Então as possibilidades encheram os olhos de todos.

Dentre elas uma bastante interessante foi também o fim das reuniões de terapia em grupo como as conhecemos. As terapias de grupo consistem em uma pessoa ouvir o problema da outra e consolá-la, talvez até ajudá-la a resolver seu problema; quanto melhor uma entender a outra, mais fácil de resolver o problema. Ora, quem é que conhece você melhor do que ninguém? Você mesmo! Ou seja, conversando consigo mesmo você tem muito mais chances de resolver o seu próprio problema.

Para isso os viajantes do tempo faziam o seguinte: alugavam uma sala e ficavam sozinhos nessa sala o tempo que achassem suficiente para uma reunião ser bem-sucedida; ao fim desse tempo, voltavam no tempo até o início da reunião, onde se encontravam consigo mesmos; então, ao fim dessa reunião, voltavam ao início novamente, onde se encontravam com outras duas versões de si; e assim sucessivamente, quantas vezes se quisesse.

Esse macete nem sempre era usado com o objetivo de uma melhor terapia. Vladmir Tempobobalhov, o Muito Multiplexado (como é mais conhecido), que o diga. Em 2483 ele promoveu um jogo de futebol em que era, simultaneamente: o árbitro, os 11 jogadores de cada time, os bandeirinhas, os vendedores de cachorro-quente, os câmeras, os técnicos, o locutor, os gandulas, os animadores de torcida, os guardas e todos os 200 mil torcedores. O jogo terminou em 4 x 2 para o time dele. Ele é até hoje reconhecido mundialmente como o exemplo final de organização, autodisciplina e, por ter vivido o jogo uma vez em cada lugar possível, envelhecendo 40 anos no processo, burrice.

Outro uso que não poderia ter passado em branco, a humanidade sendo assim tão libidinosa, foi a auto-orgia. Esse fetiche é também chamado de eufilia, ou mais musicalmente de euísmo. Consiste, como deve ter ficado claro, em voltar no tempo para manter relações sexuais consigo mesmo, ou com vários “consigos mesmos”. Isso levantou questões polêmicas entre os mais radicais. Por exemplo: “Quem volta no tempo para fazer sexo consigo mesmo é homossexual? Está se masturbando?”. Depois de dias quebrando a cabeça com isso, os radicais decidiram finalmente deixar essa dúvida de lado, voltar no tempo e se foder.

Algo comum foi as pessoas tentarem voltar no tempo para mudar algo que tivessem feito de errado. Não deu certo. Não deu certo porque a) geralmente só pioravam a situação e b) a Matemática envolvida em alterar o rumo da História é tão complexa que o Universo, quando se depara com esse tipo de problema, simplesmente dá as costas e continua se esforçando em Não Fazer Nenhum Sentido.

Isso tudo se refletiu, também, na criação de provérbios novos, como, por exemplo “deu uma de Tempobobalhov”, quando alguém faz uma idiotice, ou o muitíssimo moralizador “não faça a si mesmo aquilo que você não quer que mais tarde você acabe fazendo consigo mesmo”, de certo modo alertando para os perigos do euísmo.

***

A idéia aqui não é fazer sentido, e se você achou alguma inconsistência na lógica toda, parabéns, você tem cérebro. Se não se importou, parabéns, tem senso de humor.

A idéia, na verdade, é fazer com que ninguém esqueça a sua toalha hoje, 25/05, dia Internacional da Toalha, em homenagem a um dos seis caras mais fodas da história: Douglas Noel Adams, o verdadeiro DNA.

Porque tudo depende da flexibilidade do rabo do jacaré.

Adendo: não sei como, mas eu (sim, eu) acabei esquecendo que dia 25/05 também é o Dia Internacional do Orgulho Nerd. Nerds do mundo, parabéns! (entretanto o post continua adequado, hehehe)

domingo, 16 de maio de 2010

No Geral, Nada Útil

Identificar padrões é uma habilidade bastante admirada quando se trata de competição entre espécies: o grupo que souber melhor quando vai chover, abrir sol, ou quando a manada de mamutes de carne suculenta vai estar mais desprevenida e portanto souber o momento crucial para atacar e encher a barriga das famílias do clã por alguns dias, é o grupo que terá mais chance de prosperar e ser feliz nesse mundo indiferente e insensível. Rotular situações e coisas foi, pois, muito importante para nós até aqui, e continua sendo, mas alguns exemplares de homo sapiens levam as coisas meio além do satisfatório, e isso não é satisfatório.

Esse costume se traduziu, em uma versão moderna, na padronização maluca da revolução industrial. Se “tal jeito” funciona, que todos façam desse “tal jeito”. Criou-se a ilusão de que existia um jeito único de fazer determinada tarefa; esse jeito é o mais lucrativo, menos trabalhoso e que traz todo o benefício que todo dono de fábrica quer: dinheiro.

Ou seja: o belo é magro. O descolado é irresponsável. O homem é ignorante, bruto, forte. A mulher é submissa, delicada, tem peito, bunda e gosta de sexo. Etc (parênteses: acho lindíssima a expressão latina et caetera. Deve ser porque é proparoxítona. Adoro proparoxítonas. Fecha parênteses).

Um viva para quem bitola a mente desse modo. “Bem aventurados sejam os inocentes, pois deles é o reino do céu”, ou algo assim, estou citando de cabeça. A ignorância é uma bênção, mas nesse caso (e em muitos outros), prefiro pensar.

Por que se pensa que um ateu não pode freqüentar um grupo de jovens cristãos? É preciso acreditar em tudo que “é preciso” acreditar para ser bom? Afinal, fé é ou não é pré-requisito para se ter ética e senso moral?

O mesmo se aplica a uma hipotética situação inversa. Por que uma pessoa religiosa, que baseia suas crenças religiosas na fé, não poderia acreditar nas questões baseadas na razão? Não são só pontos de vista diferentes, são campos de pensamento diferentes, são formas de pensar diferentes. Qualquer intromissão de uma nos assuntos da outra é criminosa ou contraproducente, e todos deveriam saber separar as duas coisas. Quando um crente tenta provar a criação do mundo em 7 dias, é porque ainda não entendeu o que é fé; quando um intelectual acha que agradecer a Deus pelo dia ou pela refeição é perda de tempo, é por que ainda não entendeu os poderes do sentimento de gratidão, e porque esquece-se das limitações psicológicas de ser um humano. Mesmo que não faça sentido, se isso fizer a pessoa se sentir bem e “funcionando” melhor, já está aí um sentido pronto; não é irracional, só que é racional em um ponto mais fundo da coisa.

Um outro caso de padronização que me ocorreu agora, por nenhum motivo, foi o dos menores. Poxa, o que custa me deixar, digo, deixar entrarem menores em festas noturnas? Sabe, 16 anos é quase 18 (16 foi um número qualquer, nada a ver com o fato de ser a minha idade). E (agora sim, é sério), quem disse que um ser humano de 18 anos é mais responsável que um de 16? Eu sei que se fosse permitida a entrada de menores de 18 em todas as festas, seria um caos, por que no geral os menores de 18 são sujeitos escrotos com pouco ou nada de cérebro, que vão estragar a diversão (às vezes não muito sadia) dos mais velhos.

Sim, mimimi adolescente. Mas hão de concordar comigo que é foda ser considerado um delinqüente em potencial só porque todos os outros adolescentes o são. Excluído de dois modos: de um pelos adolescentes que são de fato delinquentes em potencial e de outro pelo resto do mundo, que pensa que eu sou um delinqüente em potencial.

Mas não há o que fazer. Quando eu ultrapassar a barreira etária mágica que separa os que podem e os que não podem beber bebidas alcoólicas (bebidas essas que em excesso continuam matando os neurônios, mesmo que quem as beba tenha mais de 18), eu também não deixarei a ralé menor de 16 entrar nas minhas festas, por mais altos que sejam seus QI’s.

Ah, estou com sono. Me desculpem se eu ofendi alguém, as vezes não é a intenção. Mas no geral, se ser considerado um idiota “que não entende Deus” ou um inconformado que reclama da vida for o preço por eu estar sendo eu mesmo, está valendo.

E tá barato.

sábado, 8 de maio de 2010

Deficiência

Deficiência, segundo o dicionário, é uma “imperfeição, falta, lacuna”. Deficiente, então, é alguém que tem alguma característica ruim que foge ao normal, comum, da maioria. Um cego, por exemplo, é alguém em que falta a visão, no surdo a lacuna é a audição, no deficiente mental a agilidade nas ideias, o discernimento etc.
Mas aqui eu quero falar de uma deficiência mais sutil, que me atormenta desde antes que eu a percebesse. Não consigo gostar de outra pessoa.
O que, é claro, tem suas exceções. Minha mãe, por exemplo, é uma pessoa que eu amo, que é essencial para mim, e portanto está fora disso. Meus amigos, a quem dispenso um amor diferenciado e lindo também podem se considerar fora de perigo, por que eles também estão no meu coração. Quando digo que não consigo gostar de alguém me refiro àquele amor de que os poetas falam, àquele amor de suspirar por alguém que está longe (ou perto; não sei se o suspiro deixaria de vir com a pessoa ao lado).
Eu olho os outros, amigos e conhecidos, todos com suas namoradas. Tão bonito, as relações simbióticas que se formam, um fazendo parte do outro, ambos se amparando e sendo uma referência firme num mundo de conceitos moles. Um é “essencial” para o outro, como eu falei da minha mãe e dos meus amigos. Só que com a mãe é diferente: ela está lá desde sempre, e há algo no amor de mãe que sempre foi e sempre será, por mais que se brigue e se discuta ela nunca deixa de ser mãe. Com os amigos também é diferente: embora sejam próximos, eles apenas fazem parte da nossa vida, não compartilham da “mesma” vida, como nas simbioses que eu falei ter visto entre os meus amigos e suas respectivas namoradas.
É aí que eu chego na parte da choradeira, que você leitor estava torcendo para que não chegasse, que fosse apenas uma brincadeira. Até suponho que estranhem eu estar falando de um assunto assim tão próximo da Terra, esquecendo por um momento as questões transcendentais da religião (fiz um retiro por esses tempos, onde pude constatar que o meu ateísmo é firme, forte e está aí para ficar; mas que, porém, não me impede de ser não só tolerante em relação à religião de modo geral, como também tratá-la de forma utilitária para fins de bem-estar psicológico [ponto pacífico: felicidade, bem-estar e prazer é diferente de realidade e verdade; pode-se ter as primeiras mesmo aceitando as segundas]) e da ciência. Mas é que esse (a deficiência) é um assunto em que tenho pensado muito ultimamente.
Eu quero ter alguém próximo de mim, com amor verdadeiro. Coisa de filme. Coisa de menininha, podem dizer, só que para mim é um avanço e tanto assumir essas coisas.
O ruim, o porquê de eu achar que tenho essa deficiência, é que eu não acho a pessoa que pode preencher essa lacuna. Existem muitas meninas bonitas, muitas simpáticas, a maioria já tem namorado, nenhuma que me inspire a “simbiose”. Pode ser porque eu penso no significado de “para sempre” e “eterno”. Pode ser porque eu sou individualista demais e não admito que alguém entre na minha vida. Pode ser porque nenhuma parece ser boa o suficiente. Pode ser porque eu sou imaturo e não consigo lidar com a responsabilidade de ter o sentimento de alguém nas mãos.
Pode ser por uma miríade de coisas. E não sei por qual delas é realmente. Só sei que esse sentimento me falta e que na busca por ele muitas pessoas (que não têm a mesma deficiência que eu, que tem facilidade de se entregar) saem machucadas. Eu quero um pouco de constância nesse mar de hormônio e um pouco de chamego nesse mundo de espinho. (poético, né? Deve ser o fundo do poço.)

Tem seis bilhões de pessoas no mundo. Três bilhões são do sexo feminino. Matematicamente é impossível que entre elas não exista uma que dê certo comigo. Mas e se eu já a conheci e deixei passar? Certas coisas são únicas na vida.

...

Paro por aqui, antes que eu deprima algum leitor, que tem os próprios problemas com os quais se entristecer. Se quiserem deixar algum conselho, ou mesmo um oi, deixem nos comentários ou me mandem um e-mail, ;’)

Abraço!

domingo, 4 de abril de 2010

Páscoa

Para alguém que se presta a escrever sobre assuntos tão áridos quanto a lua (vide post anterior) ou o Nada (espalhado quase uniformemente por todos os posts anteriores), impossível esquivar-se de escrever sobre qualquer assunto que seja mesmo só um pouco importante; que dizer, então, de uma grande comemoração religiosa/comercial como a Páscoa? Dela, evidentemente, eu tenho que falar.

Não é segredo, ou pelo menos não deveria ser, o fato de que eu não sou lá a pessoa mais religiosa do mundo. Minha visão sobre a religião é às vezes agressiva (quando em relação aos 11’s de setembro que acontecem pelo mundo), mas na maior parte das vezes é compreensiva, levemente zombeteira. Então se você sentir-se ofendido com algo daqui, poxa, morda-se de raiva. (risos)

A Páscoa Cristã refere-se - como todos nós estamos cansados de saber devido àquelas aulas sutilmente proselitistas que tínhamos no ensino fundamental em que a “tia” nos ensinava a rezar antes de comer pedindo fartura e depois de batermos no nosso colega, pedindo perdão - à Ressurreição de Cristo, que descarta apresentações. Como a suposta ressurreição (a morte eu consigo aceitar; a ressurreição é mais complicada...) ocorreu no período do Pessach, em que os judeus comemoram a sua fuga do Egito (segundo a Wikipédia), acabou que os acontecimentos se misturaram na mentalidade das pessoas e como a Igreja Católica, como instituição, é mais poderosa $$$ que o Judaísmo, o que nos chegou na pré-escola foi a comemoração da renovação, do tempo de fazer a faxina na vida (Papa says: esqc u êxodo).

Tem o chocolate aí no meio, óbvio, porque evitar que alguém queira ganhar dinheiro em cima de uma data é tão impossível quanto alguém ressuscitar e em seguida subir aos céus. Mas vai saber, né.

A idéia aqui é aquela velha idéia que eu sempre retomo com todos: vamos pensar sobre o que é isso. Independente da nossa concordância ou não sobre os detalhes absurdos, todos devemos parar e analisar a nossa vida em busca de coisas em que devemos morrer; situações que já deram o que tinham que dar e que precisam que nós nos renovamos, subamos aos céus e vejamos tudo sob (ou sobre?) um ângulo diferente.

É pra isso que serve a religião. Sem uma data dessas, quando que o Seu Zé faria uma reflexão dessas? Talvez ele fizesse, mas nem todos fariam. Como verdade absoluta (no sentido racional de “verdade”, que é no fim das contas o que conta) a religião não presta, mas se a tomarmos por um lado mais utilitário, como no parágrafo anterior, aproveitando a data para refletir (e comprar chocolate), temos todos muito a ganhar.

Boas reflexões, e uma Feliz Páscoa!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Inspiração Lunática

Muitos nascerão e muitos morrerão antes que se descubra tudo que há para se descobrir a respeito da inspiração. De onde vem, pra onde vai, o que fazer para que ela nos sorria quando olhamos em sua direção pedindo, suplicando, mendigando idéias... Por que é triste ter a vontade, mas não ter uma idéia em cima da qual trabalhar.
A lua, por exemplo. Quantas pessoas já escreveram a seu respeito? Quero dizer, ela deve ter alguma coisa mágica, pois de tudo já foi falado a seu respeito. Mundo de queijo, paraíso dos ratos; parceira dos enamorados (nos romances água com açúcar em que pesaram a mão no açúcar); arquiinimiga dos lobisomens, ou pelo menos era, até antes da Stephenie Meyer vampirizar com as histórias de vampiros e lobisomens, com essas histórias tão divulgadas e supervalorizadas que circulam pelos adolescentes. Sim, há uma referência a lobisomens “de verdade”, em alguma parte do quarto livro, só que isso não redime de forma nenhuma o que essa monstra fez com o Drácula.
Como eu dizia, a lua deve ter algo de mágico. Basta pegar uma cadeira e se sentar em uma noite de céu limpo e lua visível para se ter uma experiência religiosa contemplando o astro mais brilhante do firmamento noturno. O fato de que não tem luz própria, e que depende do sol para que o vejamos, é só uma de suas infinitas possibilidades de filosofar, pensando a respeito de ser dependente, de não ter “luz” própria, de estar sempre eclipsado por outra pessoa...
Eu é que não caio nessa. Sou como um drogado que está tentando se recolocar na sociedade, então tento não provar muito do meu vício, que é o pensamento maionesístico. Divertido, dá até um barato... mas hoje não.
O que me proponho é algo mais leve. A minha metadona, se me permitem dizer assim. Algo meio científico, por que disso não me privo, nem quero me privar, mas ainda assim com um pé na realidade.
Pois bem. Girando a uma distância de aproximadamente quatrocentos mil quilômetros da Terra, esse pedaço de pedra pesando 73 sextilhões de quilos tem a audácia de nunca nos mostrar a bunda. O seu período de rotação é igual ao de translação, ou seja, a face que vemos da lua é sempre a mesma. O que teria do outro lado da lua é uma questão interessante e fecunda.
Estaria lá o Papai Noel lendo as cartinhas das crianças famintas da África? (ponto para quem disse que o lado científico da coisa e a minha promessa de me manter longe da maionese terminaram no parágrafo anterior) Ou o Coelhinho da Páscoa, fabricando ovos? Os chineses (ou os japoneses, mas isso tampouco importa) acreditam (não que todos acreditem; com isso quero dizer que isso é uma crença tradicional de lá. Até porque, caso se tratar dos chineses, há um bocado deles pelo mundo, muito chinês meeeesmo, e seria bobice achar que todos acreditariam na mesma mentira, mesmo que às vezes aconteça) que na Lua estão vários coelhinhos fazendo bolinhos de arroz. Posso imaginar, contudo, que a imagem verdadeira hoje seria a seguinte: o Coelhinho da Páscoa, há muito vampirizado (não como os lobisomens) pelo capitalismo e consumismo desenfreado (ver EUA, em qualquer enciclopédia), desenvolveu um gosto excessivo pelo dinheiro, esquecendo mesmo do sexo com a Coelhinha da Páscoa, que morreu de desgosto. Vendo que não conseguiria produzir sozinho o que a demanda pedia de ovos de chocolate, ele hoje explora o trabalho dos coelhos chineses, obrigando-os a fabricar seus ovos de chocolate ao invés dos bolinhos de arroz que há tanto produziam. Dizem que ele planeja alcançar o público adulto, nas próximas páscoas, desenvolvendo mais a idéia dos licores de chocolate, uma mistura exótica com o saquê feito com o arroz excedente (tipo, pararam de fazer bolinhos; alguma coisa tem que ser feita com todo aquele arroz) que deixaria meio mundo bêbado. O Papai Noel faria parte do setor de qualidade, estando portanto impossibilitado de dirigir seu trenó.
Talvez, em uma visão menos pascal-imperialista da coisa, no lado escuro da lua exista uma cidade de seres lunáticos que desconhecemos. Os moonies. Grandes prédios, carros voadores, portas giratórias, tudo muitíssimo bonito, em aço inox ou em algum tom de branco. A cidade seria pequena em questão de largura, mas ela poderia muito bem entrar Lua adentro, em um complexo sistema de cidade subterrânea. Tudo isso seria ainda mais impressionante por que os moonies, grandes moonies, tem só uma perna saindo de um corpo peludo e fofo, do qual um olho (apenas um), sempre com um olhar melancólico e pidão (ver Gato do Shrek, não confundir com Gato de Schroedinger), perscruta o ambiente em busca de uma criança que possa afagar os seus pelos macios e sedosos. Eles nunca acham, e esse é o porquê do olhar melancólico. Como eles construíram tudo aquilo é a pergunta chave para entender por que isso tudo seria impressionante.
Existe ainda a possibilidade de existir, bem no meio do outro lado da lua (assumindo, é claro, que esse outro lado exista), um senhor grisalho, barbudo, olhar profundo de Eu-Sei-Tudo-E-Entendo-A-Sua-Inquietude, túnica branca como a lua, apoiado em um cajado de madeira e sentado em cima de um baú onde, como imediatamente se percebe, estão trancados todos os Segredos e Respostas. Onde está a ilha de Lost? Onde está o padre dos balões? Onde está aquela menina desaparecida? Onde está Wally? O velhinho sabe. Seu nome (o do velhinho) é Arnoldo, e quando questionado sobre como respira se na Lua não tem atmosfera ele só sorri e balança a cabeça, como fazem as pessoas que não escutam muito bem.

De todos os mistérios trancafiados no baú do velhinho, ou no cofre dos arquivos empresariais do Coelho, ou na mente dos moonies, um que nunca terá resposta, ou que terá mas que muitos nascerão e muitos morrerão antes de descobri-la, é sobre a inspiração. Não dá, ela é um Grande Mistério. De onde vem, para onde vai...

Só sei que falar da lua funciona.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mundinho Grande

Venho notado algo ultimamente. Aliás, vocês estão bem cientes de que eu tenho notado muitas coisas desde que eu comecei a escrever aqui, e talvez não estejam cientes de que muitas das coisas que noto eu não chego a publicar, pondo a seu escrutínio, mas isso também acontece, apesar do seu desconhecimento. Ainda não consegui condensar minha visão de mundo em uma frase só, e sempre que tento explicar em mais de uma frase a tal visão, a coisa toda acaba saindo um pouco do controle e no fim o melhor é ir deixando um pedaço aqui e outro ali, para que no fim os sensíveis e inteligentes leitores acabem percebendo o que eu acho da Vida, do Universo e do Resto. Quem não perceber, poxa, lamento, mas a seleção natural é um processo cego, automático e totalmente lógico, que nada tem contra quem ela não beneficia, e nada a favor de quem ela não se desfaz.

E como eu dizia, venho notado algo ultimamente. “Ultimamente”, como em muitas das outras vezes que eu notei algo, é aproximadamente nos últimos 16 anos. E dessas vem, pasmem, não é algo tão complicado de explicar. Pode ser um pouco de entender, mas já falei sobre isso no primeiro parágrafo.

O mundo tem ficado cada vez menor, e no entanto cada vez maior também. Menor por que agora eu já consigo olhar em cima da mesa sem subir em uma cadeira, e menor por que o mundo agora não termina mais onde termina minha casa, entendem? Perceber isso é um trabalho e tanto, apesar de nos parecer fácil, agora que já percebemos isso cada um em seu tempo. Talvez muitos dos problemas que as pessoas alegam, aqueles internos cuja culpa não pode ser relacionada diretamente com o mundo em, venham do fato de uma percepção errada das coisas.

Quando olhava a mesa por baixo, tudo estava ao redor e por cima, ainda que eu estivesse protegido pelos meus pais, e os problemas pra lá do muro não eram problemas, eles sequer existiam. Hoje, embora minha mãe ainda esteja lá, não é mais a mesma coisa, por que agora eu já posso olhar os problemas de cima (aqui está o grande lance; alguns depressivos não percebem o poder que tem de segurar as rédeas dos próprios problemas, de dar significado ao próprio tempo) e ela tem os problemas dela mesma para segurar. O mundo não acaba no muro, mas não é para te amedrontar, só para possibilitar o seu crescimento no trato com as outras pessoas.

Bem, eu não espero que entendam, mas é que eu precisava externar isso. O recomeço das aulas é na terça, junto com um compromisso importante do coral que participo, e ambas as coisas (estressantes se eu não tomar o cuidado de focá-los do modo que tentei mostrar acima) me fazem pensar nisso tudo, e em mais.

Eu sei, não é culpa de vocês que eu tenha a compulsão de tentar entender a mente humana e a minha própria, então por que postar aqui para vocês lerem? “Esse é o mistério da nossa fé”, ok?

Abraço!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Homem

Isso tudo começa com um homem saindo de casa para ir ao trabalho, em um dia qualquer. E quero aqui que vocês notem que, se eu não der maiores informações acerca desse homem, vocês provavelmente já criaram nas suas mentes uma imagem dele. Se não criaram, é porque já foram longe demais na luta contra preconceitos inexistentes, e se distanciaram perigosamente da realidade, a ponto de desenvolverem algum tipo de patologia que não é minha obrigação determinar. Então, pelo bem da saúde mental de vocês, admitam que vocês têm, sim, alguns preconceitos, e que a imagem do homem que vocês criaram nas suas mentes não depende do que eu disse e sim daquilo que vocês previamente estabeleceram do que é um homem normal.

Sim, por que o homem de cuja casa saiu, no início do texto, é um homem normal. Aparência normal, vida normal, trabalho normal, itinerário normal. Para ir ao trabalho, ele toma um ônibus normal, desses com dois faróis, grandes rodas, muita inércia, inércia o suficiente para não conseguir frear a tempo de atropelar vocês, caso vocês se atravessem na frente dele. Mas não se preocupem, não haverá sangue nesse texto, isso aqui não é um começo de um gancho retomado mais a frente, embora ficasse legal se o fosse.

O ônibus normal, em que adentrou o sujeito normal de que falei, pode ser diferente conforme a imagem que vocês já tem de um ônibus normal. Ainda mais por que ninguém, exceto eu, sabe em que época e horário essa história está se desenrolando. Por exemplo, se for manhã, como de fato é (já estou lhes adiantando), haverão várias pessoas indo trabalhar, vários estudantes indo estudar, essas coisas. O humor das pessoas seria diferente caso eu especificasse se isso aqui se trata de uma história na segunda-feira, ou na terça-feira, assim por diante. Os alunos, também, poderiam não estar ali caso isso tudo se passasse em um momento de férias, mas eles estão. Alguns deles estão com fone de ouvido, escutando suas bandas sem conteúdo, outros estão só fazendo aquilo que estudantes fazem de melhor: nada. Se o ônibus estiver no caminho de uma escola um pouco melhor do que a média, ainda haverá um deles lendo um livro, e os outros estarão escutando algo um pouco mais inteligente. Caso o ônibus passe em uma escola ainda melhor, não haveriam estudantes dentro dele, pois eles teriam ido de carro, não é? Enfim, esqueçamos os passageiros, fato é que o importante é que é um ônibus normal, em um dia normal, época normal, horário normal, no qual um sujeito normal entrou. De fato, ele é o único passageiro que nos importa. Deu oi ao cobrador, que lhe devolveu um rosnado e o troco; o homem pensou que o cobrador está de mau humor por ainda ter todo um dia de cobranças e de trocos e rosnados, e pensou também que no fim do dia o cobrador estaria de mau humor por que o dia foi ruim. Mas isso já era problema do cobrador mesmo.

O homem andou e sentou em um assento vazio. Nenhum de nós acorda com vontade de emplacar uma conversa com um desconhecido em um ônibus, ainda mais quando todos os desconhecidos estão sendo deliberadamente ignorados pelo narrador. E se algum de vocês acorda assim, fiquem sabendo que será um milagre estatístico você se sentar do lado de outra pessoa como você, então se segure antes de entrar em uma conversa constrangedora repleta de silêncios igualmente constrangedores.

O homem, enquanto olhava pela janela o movimento passivo das árvores e das casas, pensou nos seus próprios problemas. Não é de se espantar, em um ônibus cheio do vazio das pessoas, que um homem normal pense nos seus problemas. E agora ele percebe, como percebe em todas as vezes em que pensa nos seus problemas, que o remédio é tentar ser mais ativo nos problemas em que se encontra. Deixar de ser como a paisagem, que se move por causa do ônibus e não o contrário. Tem que deixar de ser tão flexível, a ponto de não delimitar a própria opinião, como tem feito por tantas vezes que agora nem sabe se consegue reverter o costume. Mas não quer se tornar inflexível demais, a ponto de ser um chato. E vê, mais uma vez, que a arte de viver está aí, encontrar nesse degradê de cinzas o cinza correto, nem preto nem branco demais. E também vê que tem que decidir melhor quais situações ele deve ser frio, em quais deve ser terno, para deixar de ser tão morno.

O homem olhou então ao redor, para os outros passageiros, aqueles que decidimos ignorar. Quais deles pensavam nisso? Será que era só ele que tinha dessas? Será que os outros não as tinham por já saberem, por já terem tido, ou são eles paisagem, e nem sabem que existe a possibilidade de pensar sobre isso? Ele não sabe. Prefere então pensar no seu próprio raciocínio, e depois de cansar dele, decide pensar no seu trabalho, que a propósito, já está a chegar perto. O homem puxa a cordinha, dá tchau para o motorista, que acena da forma mais profissional e masculina que consegue, e desce para ir para o seu trabalho.

No caminho nós o perdemos de vista, por que já agora ele nos é só como era os passageiros do ônibus, e não nos interessa mais seus pensamentos.

***

Não se devem fazer suposições de comparação entre mim e o homem normal. Uma que nem me considero homem; na hierarquia da tribo, ainda sou um garoto. Embora as amigas da minha mãe falem “nossa, já está um homem” elas não comentariam isso de alguém que considerassem de fato um homem, mas enfim. Outra por que o que se passou foi tudo invenção, alegoria para expor pensamentos que venho tendo; se sobre minha própria vida, tira a graça se contar. É a mágica do eu-lírico, do personagem com sentimentos e tal. São poucos os sentimentos do personagem, todos simples, por que, poxa, não se pode esperar outra coisa de um personagem criado por um garoto que já não é lá essas coisas no que diz respeito a sentimento, que dirá de expressar-se. Se não consigo esbofetear o meu interlocutor com aquilo que sinto, por carregá-lo na cara, supõe-se nisso um defeito? Ou uma característica?

Eu é que não sei.

Vou nessa que está na hora do ônibus. Por que é assim que termina, comigo voltando para casa, ou algo assim.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Passado

Nesses tempos em que o presente não passa de uma longa espera calorenta por scraps novos no Orkut e o futuro não reserva, no geral, nada além do início das aulas, atemorizantes, eu estive pensando no passado, quando a visão era mais curta e não abrangia os problemas a todo o momento. Ainda hoje consigo alguns segundos dessa tranqüilidade, mas logo em seguida essa panorâmica mental acaba lembrando-se das intempéries do mundo, e mais uma vez entra em parafuso. Diferente de antigamente, quando era preciso esforço para expandir essa vista, e “amadurecer”... Não sou superior a ninguém, ninguém é, para dizer que seria melhor ter continuado inocente e sem entender o mundo assim como entendo hoje, mas tenho autoridade o suficiente para duvidar de que o que aconteceu tenha sido o melhor. Se não tivesse acontecido, teria sido tudo diferente, fato, mas diferente quanto?

Mas então. Estava pensando no passado, quando saía com minha mãe e meu pai nos domingos, para ir nas cachoeiras de Dois Irmãos, cidade perto da minha. Essa lembrança é antiga o suficiente para ter aquelas névoas nos cantos, para não ser precisa e leal com a realidade, já que as memórias envelhecem com a gente, e mudam um pouco no processo. Acho muito interessante que essas lembranças, essas que guardamos de criança, sempre estão associadas com um sentimento. Como uma cor, ou um cheiro, que está presente na lembrança, mas ainda assim diferente, por que cor e cheiro se sentem com os olhos e com o nariz, e sentimentos... apenas se sentem. Por exemplo, quando meu pai andava na beira de uma cachoeira, enquanto eu e minha mãe olhávamos com admiração e ansiedade. Essa lembrança tem cheiro de “meu pai é herói”, cor de “amor protetor materno”. A placa que está logo atrás, onde está escrito “é bonito, mas é perigoso; cuidado com as corredeiras”, que com certeza tinha algum erro de português que na época me escapou, ainda conserva o sentimento de “vocês que se matem afogados, contanto que paguem a entrada antes de morrerem ou deixem a carteira à vista”. E assim por diante.

Como eu dizia, conforme o tempo passa as lembranças vão mudando. Aqui eu poderia dizer que elas mudam de “essência”, ou de “formato”, mas estaria mentindo se dissesse algo tão simples. Conforme o tempo passa, as lembranças continuam dizendo aquilo que diziam, mas não estão mais ali, como estavam antes, só sobrou o buraco que elas deixaram na mente, o encaixe como de uma chave. Só tem o formato antigo, e você preenche com os materiais da imaginação, abusando dos projetos das outras lembranças, menos alteradas.

Na tal lembrança, ainda, só lembro de um céu laranja, e de sentir que está logo na hora de ir para casa. De querer ir aonde meu pai estava, ao mesmo tempo que queria que ele saísse dali antes que escorregasse e me deixasse órfão de pai. Eu tinha muito medo disso, desde sempre fui dado a reflexões perigosas. Mas não aconteceu, na ocasião.

A lembrança do meu pai, um ser humano, não um cenário ou um episódio como com a cachoeira, é ainda mais estranha. Era um herói, como disse antes, honesto, correto, inteligente, engraçadíssimo quando queria, muito cricri, estressado como eu serei se não mudar, extremamente amoroso com a família, sempre presente. Quando ele estava junto de amigos, não mudava, tinha sempre o mesmo caráter, mas com os amigos ele se tornava tão... humano, sabe? Na época eu ainda não sabia que ele também era um ser humano. Tinha vaga idéia de que ele não sabia voar, nem conseguia puxar um Boeing 737 com os dentes, mas a sutileza da mente infantil não é passível de explicação, apesar dos esforços meus e de todos que sentem a necessidade de explicar o mundo.

E, além de pensar no passado, pensei também nisso que disse no parágrafo anterior, e nas idéias seguintes inevitáveis. Por que na época que meu pai era vivo eu era criança e minha mente hoje só mantém os alicerces morais daquele tempo, quase todo o resto já foi mudado. Se conservo ainda alguma noção residual que criei naqueles dias, conservo sem querer. Alguma coisa que meu pai ou minha mãe me disse naquele tempo que eu nem sequer cogitei não ser totalmente verdade, mas que se parar para pensar melhor não condiz com o resto que eu sei... entendem? Mas acho que esse tipo de memória eu quase não tenho mais, mas pelas suas próprias características, eu não saberia se tivesse.

E estou me desviando do assunto. Continuando, como dizia: além do passado, pensei também no que disse no parágrafo anterior (que, agora, é o anterior ao anterior). Por que como eu era diferente ao que sou hoje, talvez eu não esteja tão certo sobre como meu pai era. Me diziam que ele era inteligente, mas eu não era lá essas coisas de esperteza então, o que significa que pela perspectiva talvez meu pai não fosse tão inteligente como dizem. Memórias objetivas escasseiam, a respeito dele só tenho aquelas lembranças de que falei, como fendas de chaves.

O que dizem a respeito das memórias que temos dos entes queridos que morrem, é que quando conhecemos uma pessoa nós criamos um profile dessa pessoa na nossa cabeça, onde guardamos tudo que temos e sentimos em relação a ela; quando ela morre, não entendemos a morte totalmente. Afinal, a uma aceleração de 9,8m/s², em quanto tempo uma simples palavra, “morte”, teria energia suficiente para acabar com todo um dicionário de palavras que construímos sobre uma pessoa, todas elas dizendo que ela ainda vive? Pois é. A partir daí vem a noção de vida após a morte, a sensação de que a pessoa ainda está por aí, olhando por nós, de que ela não deixou de existir.

No dia em que tiraram a vida do meu pai em um assalto, iniciou-se em mim um processo que me distanciou cada vez mais daquilo que eu era. Mudei idéias, valores, mudei eu. Por causa daquele dia, não sei se hoje o que penso sobre meu pai condiz com a realidade, sei que não importa, pois sei que independente do que eu sei, ou não sei, ele foi um grande homem. Mas eu não tenho mesmo como saber, isso é uma questão em que a única posição possível mesmo é algo como o agnosticismo, o “saber que não tem como saber”, e saber que a única coisa boa que provém disso tudo é entender os próprios limites. Por mais que progredirmos, certas questões ficarão para sempre nos instigando a continuar a procurar a resposta, eternamente escondida. E são elas que importam de fato, são elas que nos mostram que as intempéries do mundo são coisas minúsculas, perto do resto.

E foi mais ou menos aí que eu parei de pensar, não por achar ter ido longe demais, mas por achar ter ido longe o suficiente para haver ainda mais mudança aqui dentro.

Um abraço!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sou fã, dã.

Nunca fui muito fã de nada, quero dizer, nunca fui daqueles fanáticos xiitas que amam alguém ou algo acima de tudo, que pintam o rosto com as cores do time, que tem cartazes de bandas ou que se vestem como os ídolos da tevê se vestem. Talvez nunca fui um desses pelo medo de não ter opinião própria e, paradoxalmente, não ter opinião nenhuma. Por exemplo, eu li muitas vezes Harry Potter, todos livros da série, até chegar a saber a história de frente pra trás, de trás pra frente, da metade pra diante, enfim, mas não me sentia bem sabendo que outros 300 milhões de fãs também o faziam, de forma que quando alguém ficava sabendo que eu gostava de Harry Potter achava que eu o fazia por que era modinha.

Daí eu deixei de ser fã, até por que eu lia outras coisas, abria a mente, ao contrário de muitos fás por aí que usam aquelas coisas de cavalo que eu nunca lembro o nome, muito coerentemente, aliás. Mas daí também tive de tomar o cuidado de não entrar na modinha de “não gostar de HP”, como existem pessoas que fazem, por que, afirmam, é coisa de criança, não é literatura de verdade, “é um lixo”. A esses o mundo os rotula de pseudointelectuais, e não existe adjetivo que mais me afeta que esse, me sinto um lixo quando alguém insinua algo assim para mim, me sinto pior que o cocô do cavalo do bandido de filme B.

Ora, e aí me encontro em mais um daqueles paradoxos cotidianos em que muitos se encontram, mas poucos tem a coragem (coragem?, eu quis dizer ousadia, loucura, falta de bom senso) de comentar isso com outras pessoas, por que isso não é impessoal o suficiente, porque ao trazer esse tipo de loucura pro meio do diálogo é capaz de alguém perceber que não consegue entender o que o outro fala. E atestar a própria ignorância é algo que todos temem, inclusive eu, como dito no parágrafo anterior.

O paradoxo é o seguinte (nem tem paradoxo nenhum aí, se procurar atentamente não há uma verdade que morda o próprio rabo nem nenhuma lógica com realimentação perigosa): não tem como saber quem está com a razão em uma discussão; enquanto a outra pessoa não concorda com você, você tende a achar que essa pessoa ainda não entendeu a sua posição, e isso também pode ser abordado pelo outro lado, ou seja, você só não concordou com a pessoa com a qual está discutindo por que ainda não entendeu o ponto de vista dela. Pense em algo em que você discorda de alguém; se essa pessoa entendesse o seu ponto de vista, você acha que ela continuaria tendo uma visão diferente da Verdade?

Trazendo agora para o exemplo que eu dei, como sempre, mostrando que eu tenho uma péssima habilidade de exemplificar, e que no fundo eu só complico com as coisas (como era mesmo que o Chacrinha falava?). Existem os que gostam de Harry Potter (ou Crepúsculo), e existem os que acham que Harry Potter (ou Crepúsculo) é mau-escrito / idéia ruim / extremamente “feito para vender” / coisa de jovem / modinha. Ninguém, nunca, sob circunstancia nenhuma, no planeta Terra, ou pelo menos num Universo que tenha uma Lógica como a nossa, vai poder dizer quem desses dois grupos está certo. Os que gostam desses best-sellers dirão que os críticos não tem base o suficiente para criticar, que não sabem sobre o que estão falando, que são pseudointelectuais (deusolivre). Os que não gostam dirão que os fãs dos ditos livros bem vendidos são passivos do Sistema, que não sabem o que é um bom livro e que há algo errado nesse mundo capitalista consumista em que uma porcaria de roteiro como Crepúsculo vende.

Claro que se pode continuar avançando nessa helicóide (sempre avança em Y, passando pelos mesmos lugares em X, ou seja, aumenta a consciência mudando de lado da discussão várias vezes, no melhor estilo de “eu supunha saber que você sabia que eu pensava que você conhecia exatamente o quanto eu sabia que você tinha conhecimento sobre o que passava pela minha cabeça”), com um crítico voltando a hastear a bandeira do fanatismo, ou um fanático hasteando a bandeira da Crítica, sei lá.

Como sempre, não sei se fui tão claro quanto eu sempre pretendo ser; e não fui tão claro quanto é possível, fato. Gosto de botar as coisas como eu gosto de botá-las, e não como elas ficam melhor apreciáveis, por que esse modo nem sempre carrega o sentido que eu quero que carregue.

Para os muitos que acham que perderam cinco minutos da vida em um texto sem pernas nem cabeças (sim, no plural), uma mensagem puramente explícita (e muito mais simples que a mensagem até aqui): não leiam somente best-sellers; eles são bons, muitos são ótimos, alguns são só bons lances de mercado, mas a maioria presta; agora, se ater a eles e não ler nada além deles é no mínimo jogar fora a oportunidade de aprendizado e diversão que a vida é, com tantos livros bons a espera de serem lidos.

Um abraço!

PS: hora dessas eu escrevo sobre o que eu realmente queria escrever, e tento não sucumbir à tentação de prolongar o que era pra ser só um parêntesis na introdução, [risos].

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Happy Two Thousand Ten. Or Twenty Ten. Or Whatever.

Mais um ano se passou. Foi, como alguns dos seus antecedentes, o melhor até então exceto pelos seus defeitos o que, é claro, faz com que qualquer coisa seja a melhor de sua própria maneira, como o leitor lógico poderia apontar. Mas apesar dos pesares, foi um bom ano, muitos crescimentos e muitas perdas. Já falei em outra oportunidade sobre como é estranho ter que esperar um ciclo para analisar a vida, então nem vou comentar sobre o fato de que todo mundo está fazendo promessas agora, sendo que a única coisa que aconteceu foi que um planeta azul-esverdeado insignificante deu uma volta completa em um sol amarelo igualmente insignificante, e também não vou nem comentar no comentário sobre o fato de que não tem motivo nenhum para “começarmos” o ano nesse ponto da translação do nosso planetinha, e seria até mais legal e coerente com as atuais Divagações Em Copenhague da vida, se o ano começasse em 1° de abril, e não em 1° de janeiro.

Mas eu já desisti de lutar sem propósito por um mundo inteiramente racional, que não veja sentido em coisas que não têm sentido e que não invente propósitos para as babaquices que têm que ser feitas graças à nossa carga genética repleta de resquícios dos tempos das cavernas. Comer, com a tecnologia atual (ou com a tecnologia de aqui alguns anos) poderia ser substituído por, sei lá, pastilhas supervitamínicas que suprissem nossas necessidades energéticas; dormir poderia ser substituído por alguma coisa que limpasse nossa cabeça a cada período de 24 horas; aprender ficaria mais fácil com um chip na cabeça; mesmo o sexo poderia ser deixado de lado, se aprendêssemos a fazer in vitro, além da inseminação, também a gestação. Esse último item, como vêm, é um bom exemplo de por que não devemos pensar tão racionalmente (sexo nunca deixará de ser sexo). A emoção nos mantêm unidos à nossa humanidade, e viver totalmente sem ela não é lá uma escolha muito feliz. Comer, dormir, aprender e fazer sexo talvez mudem com o passar do tempo, mas quem o faz (nós) não muda, só o suficiente para deixar de agüentar ficar, por exemplo, uma semana sem internet.

Espero sinceramente que nesse ano tudo de bom ocorra a todos nós, e que a mensagem que eu sempre passo para todos (conhecer sempre mais e refletir são o caminho para uma vida mais plena de sensações e de felicidade no geral) possa realmente ultrapassar as barreiras cotidianas que existem entre as mentes das pessoas (no caso, a minha e a de vocês) e ultrapassar ainda a barreira inesperada que existe na minha estilística às vezes truncada, que nem sempre leva a compreensão de quem lê em primeiro lugar.

O que me lembra das minhas promessas para esse novo ciclo irracional: ser menos ranzinza com as pessoas, o que engloba também refletir antes de dizer as coisas que não podem ser desditas; ser mais observador e manter a língua no lugar mais seguro para ela, ou seja, dentro da boca, sempre que possível e suportável; dar importância maior para as coisas que têm importância maior; ser, genericamente, o menos desagradável que eu conseguir com os outros; continuar lendo de tudo, não é possível saber se há algo que você não conhece se você não procurar por esse algo (quando você achá-lo, já não será desconhecido, o que te propõe a continuar a busca); e por último, mas não desimportante, nem de maneira alguma fechando a lista já que esse lista contem com certeza muitos elementos omissos e que eu não vou me lembrar mesmo, tentar sempre melhorar a escrita, no que diz respeito a escrever para mim e também no escrever para os outros.

Bem, caros, era isso que eu queria escrever hoje, e está aí.

Bom 2010 a todos, que todos os seus desejos e mesmo as coisas boas que vocês esqueceram-se de desejar lhes aconteçam nesse novo ano que começa depois do Carnaval (até lá, bom Limbo de Férias Escolares para vocês!)