quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Destino

O bom de ter tarefas importantes a serem feitas, trabalhos a serem digitados e exercícios a serem enfrentados, é que os momentos nos quais se consegue ignorar totalmente a sensação de culpa e o impulso de ficar no cantinho choramingando sobre a vida, nesses momentos é que vem uma vontade louca de falar sobre qualquer coisa, e parece que essa vontade é compartilhada com as pessoas próximas de forma mágica e – voilà – de repente estamos conversando sobre questões nada mais nada menos importantes que o destino.
É impressionante o quanto esse assunto pode dar pano pra manga. Ambos os lados da questão tem variadas maneiras de argumentar e no fim, pelo menos para este que vos fala, a conclusão sempre é que não é tão fácil assim chegar a uma conclusão, e o que nos resta é continuar pensando e pensando.
Por abstrato que pareça o assunto, é questão de primeira grandeza caso fôssemos todos filósofos. Afinal, é ou não é importante sabermos se temos alguma influência nos eventos do nosso futuro? E temos? Ou não? Se não tivermos, será que temos como saber? O que me entristece um pouco são algumas pessoas que não vêem a beleza do tema e se entregam a conclusões fáceis, corriqueiras e antigas. Ser antiga, no entanto, não é atestado de veracidade; apenas atesta que está errada há mais tempo.
O tarô, por exemplo. Ou cartas, búzios, palitinho, quiromancia, mesa redonda de futebol, programação em C# (tá, na real isso não tem nada a ver com o assunto), qualquer que seja o método de previsão do futuro. É (são) uma baita enganação. Vem da idéia antiga (antiiiiga) de que os Deuses se comunicam conosco, formiguinhas na lupa ao sol, através de eventos que são aleatórios, como borrão no fundo do café, o resultado de um dado não viciado ao ser lançado, ou de vários dados.
Isto é, claro, uma baita mentira. Primeiro, se os Deuses se comunicam conosco através de eventos aleatórios, os eventos não são mais aleatórios, certo? Questão de definição. E mesmo que se comuniquem, como saber quais eventos aleatórios carregam uma mensagem e quais simplesmente são aleatórios mesmo é um problema interessante, provavelmente resolvido da seguinte forma “eles falaram diretamente comigo, em sonho, e eu SEI que os dados querem dizer que você tem que me dar todo seu dinheiro”. Impossível argumentar, é melhor dar todo seu dinheiro para a cigana que lhe disser isso, ela deve estar com a razão.
Sem falar que a chance de uma previsão (não adulterada) te dizer que tu vai morrer é a mesma de dizer que tu vai ganhar na loteria ou algo assim, quando na real eventos diferentes tem probabilidade diferentes de acontecerem. A aplicação do raciocínio matemático em uma mesa da tarô, ao contrário do que acontece em um cassino ou bingo, não leva a uma estratégia vencedora, e a única pessoa que ganha ao tu gastar teu dinheiro na sorte é a cigana. (caso alguém queira saber como ganhar dinheiro no cassino, pergunte-me, mas não prometo fórmulas infalíveis).
Abaixo, uma foto que tirei de um ônibus em movimento. Eu queria captar apenas a paisagem, acabei captando algo mais:

Não dá também para eu me esquivar das profecias autorrealizadoras. J.K. Rowling usou isso de forma muito genial na série Harry Potter, mas o público não dá muita atenção para isso. Enfim.
Profecias autorrealizadoras são aquelas que, por terem sido profetizadas, acabam fazendo com que aquilo que profetizam aconteça de fato. Tipo a) na frente do gol, preparando-se para chutar um pênalti, o jogador escuta alguém gritar “vai errar”, e por isso se desconcentra e acaba errando mesmo, ou b) após receber uma previsão de morte nas cartas, uma pessoa se tranca dentro de casa e, pelo stress do medo de morrer, acaba tendo um ataque ou, de forma contrária, decide aproveitar a vida adoidado e morre numa das festas que está fazendo. A literatura tá cheia desses, e são bem legais, amarram a história e o leitor maaaaas, na vida real, temos que nos ligar de que o que atuou não foi a magia da previsão do futuro, não foram as ondas do futuro que mandaram um recado para nós, não foi um Dedo Divino que veio nos avisar de algo, e sim simplesmente somos impressionáveis e temos uma mente que tende, muitas vezes, excessivas vezes, a não pensar objetivamente.

O que eu acho, pessoalmente, é que não dá para saber o futuro. Isso não responde à pergunta “existe destino?”, mas acho que é uma boa conclusão preliminar. “Conclusão”, é claro, pessoal, porque não encerra a questão.

Prevejo que mais posts sobre o assunto virão.

Boas meditações a todos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mas Tchê!

Pois eu estava olhando de novo meus textos aqui no blog, relembrando alguns fatos interessantes sobre o meu passado, vendo que na verdade muitas das idéias e opiniões que tenho hoje foram se construindo gradativamente com o passar do tempo, e outras mudaram completamente... enfim, estava nesse ritmo, nostálgico, melancólico, proparoxítono, quando me dei conta: o último comentário feito aqui no blog, sem contar os comentários feitos nas últimas duas semanas (os quais, sinceramente, foram o que me lembrou que o blog existia), terminava com um abraço e um “Feliz Páscoa”. Poxa! Não lembrava que há tanto tempo não escrevia por essas bandas.
Foram tantas as mudanças de pensamento que me acometeram nesses tempos de eremita (fui eremita em relação ao blog, mas desconfio que nunca fui tão da galera e dado a festas), que não conseguiria falar sobre cada uma nem se quisesse. Oportunamente, eu não quero falar sobre cada uma, mas sim sobre uma descoberta maior que sempre me desequilibra quando estou de pé e me balança quando estou sentado, uma descoberta que tem a ver com todas as mudanças de que falei.

*Abre parênteses*
Quando falo em mudanças, provavelmente poucos pensam exatamente o que eu. Segundo o Westhelle, grande amigo meu e apaixonado por Lingüística, existe o “signo” na nossa mente, que expressamos por meio de um “significante”, que pode ser uma palavra, um gesto, um olhar, um míssil intercontinental anti-radar, enfim, que ao ser recebido por nosso interlocutor, é reconvertido na forma de signo novamente. O interessante é que o signo na nossa mente e o signo na mente do interlocutor são diferentes, embora o significante seja o mesmo.
O parágrafo anterior não explicou muito bem o que eu quis dizer. O que eu quero dizer é que uma mudança, mesmo que muito pequena, pode ser muito significativa. A menor parte de um pentelhésimo de quase nada de mudança na declividade de uma reta faz com que ela deixe de ser paralela a outra reta, sua amiga, que estava ao lado.
O parágrafo anterior também não explicou muito bem o que eu quis dizer. O fato é que eu mudei, e pronto, ok?
*Fecha parênteses*

A descoberta foi...
Bom, primeiramente, deixem-me dizer que não se preocupem nem fiquem decepcionados caso a descoberta não atinja as suas expectativas. Reservei especialmente para o meu público exigente e chato uma descoberta mais legal, que vai vir como um post scriptum. Se quiser, dá uma olhada no fim do texto e volta para cá, mas eu sugiro que continue o texto na ordem correta, como Alá disse que todos os não-infiéis devem fazer (ok, inventei essa última).
Então, a descoberta é um pouco complicada. É algo óbvio, mas que tem um algo mais na sua obviedade.
Sempre se tem algo pra aprender; não simplesmente um fato, uma informação nova, não uma relação entre objetos, não apenas uma nova forma de produzir um míssil intercontinental anti-radar. Falo de como ver as coisas, de como lidar com essa fonte inesgotável de paradoxos que é a condição humana. (essa frase resume tudo o que eu possa dizer, mas resume demais...). É como se (lá vem um exemplo do tipo tradicional: péssimo) durante a segunda guerra os cientistas de Hitler tivessem injetado tinta azul nos olhos de algum bebê para produzir nele uma característica da “pura raça ariana”, e esse bebê tivesse crescido e virado adulto. Lá pelas tantas, esse adulto de olhos azuis dá um espirro e tchum!, a tinta escapa como lágrima e ele passa a ver tudo com cores novas.
Agora imagine que possamos fazer isso inúmeras vezes, e que sempre – SEMPRE – será possível encontrar algum ponto a mudar. Sem chorar tinta, mas vendo tudo novo.
Agora, isso com certeza é óbvio, porque ou a) você já teve essa sensação ou b) você não teve essa sensação, e só vai ver que isso não é tão óbvio quando tiver.
É como passar a vida num espaço euclidiano, e descobrir que existem muitos outros espaços possíveis...

Bem, o fumo acabou.

Deixo um grande abraço, um agradecimento pra Bibiana que me fez voltar a escrever, e os votos que todos tenham um feliz Ano Novo (só para garantir).

Abraço!

PS: a outra descoberta, na verdade, é uma experiência que pode acabar com a crença que muitos tem na energia elétrica. Peguem um toca-discos, daqueles que tocam vinil, e ponham uma música para tocar. Abaixem o volume até zero ou desconectem os alto-falantes (isso pode requerer domínio de Eletrônica – ou proficiência no manejo da tesoura e, mais tarde, fita isolante). Aproximem os ouvidos da agulha que arranha o disco (um de cada vez, não creio ser possível aproximar os dois). O que se houve? A música. Exatamente como se estivesse saindo nos alto-falantes, só que porra, aquilo ali é só uma agulha arranhando um disco. Ok, parece bobo, mas no momento foi mágico.
PPS: imaginem o título sendo dito por um gaudério que encontra um amigo há muito tempo afastado.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"Associações"

Numa Ilha Hipotética, localizada em algum lugar ao norte do Pólo Sul e ao sul do Pólo Norte, as pessoas têm a obsessão por associações. São tão obsessivas que inclusive criaram o Computador Associativo, um mainframe ultrainteligente que escaneia o tempo todo os interesses dos habitantes da Ilha, conferindo se eles não estão de fora de alguma associação a que pertençam ou se não estão ligados a uma associação com a qual não devem mais ter vínculo. Quando encontra um caso, imediatamente envia o cartão de boas-vindas, o que torna a pessoa oficialmente parte da associação em questão, ou envia um Agente que toma de volta o cartão. Não se pode recusar um convite: se você preenche os requisitos, é como se já pertencesse ao grupo. No entanto, se você deixa de preencher os requisitos, é imediatamente retirado do grupo.
Desta forma, existem muitos grupos na Ilha. O “Clube de Golfe”, o “Clube de Xadrez”, o “Clube de Amantes de Cavalos”, o “Clube Para Pessoas Que Gostam de Morangos” etc. Existe até mesmo o “Clube Para Quem Gosta De Et Caetera”.
O Governo dessa ilha, numa tentativa de incentivar a criação de novos grupos, paga ao criador de cada grupo uma quantia equivalente à quantidade de membros do grupo. Isso faz com que seja muito lucrativo criar um grupo: basta perceber uma brecha, uma ligação entre pessoas, que ainda não tenha sido agraciada com a criação de um grupo sobre isso, ir na Central de Grupos (onde se encontra o Computador Associativo) e registrar o grupo. Em questão de segundos o CA encontra todos os habitantes que podem participar e envia os cartões de sócio.
Um revés do processo é que os Criadores geralmente não pertencem ao grupo que criam. Eles o fazem somente pelo dinheiro. O criador do Grupo de Carne Vermelha é um vegan assumido, por exemplo. Em razão disso, existem muitos velhos ricos, avarentos e tristes que não fazem parte do grupo que criaram, às vezes de nenhum, e isso é muito ruim para eles, pois a participação em um grupo é o que rege a maioria das vidas dos habitantes dessa Ilha Hipotética; é lá que conhecem seus futuros maridos e esposas, e também é lá que conhecem os amigos que convidarão para padrinhos dos seus casamentos. Não fazer parte de nenhum grupo é uma grande tristeza.
O Senhor A. percebeu isso. Ele mesmo nunca tinha criado um grupo, participava de alguns, e estava numa pindaíba desgraçada, precisava do dinheiro. Foi então que resolveu criar um grupo, e o grupo se chamaria “Associação Para Criadores de Grupos que Não Participam do Próprio Grupo”.
Já vislumbrava o que faria com o dinheiro ganho quando estava se dirigindo para a Central de Associações. Entrou, explicou-se com a atendente e assinou alguns papéis. Em seguida a atendente inseriu os dados no Computador Associativo. O Sr. A. olhava tudo com olhos atentos. Quando ela inseriu os dados, pequenas lâmpadas começaram a piscar por toda a grande máquina, demonstrando a atividade que estava se desenrolando em seus circuitos internos.
Depois de alguns segundos, um bipe soou e uma grande remessa de cartões de boas-vindas saíram da impressora do CA. Um grupo de Agentes irrompeu pela sala, e dividiram igualmente os cartões para todos. Se detiveram olhando para os nomes e endereços nos cartões, e em seguida todos saíram pela porta, maquinalmente. O último ia saindo quando olhou para trás e viu o Sr. A. parado admirando o processo. Voltou-se e disse “Esse convite é para o senhor”. A. achou engraçado, mas fazia sentido: ele mesmo não participava do grupo que criara, e esse é o único requisito necessário para participar.
No exato momento que A. pegou o cartão, o Computador Associativo emitiu mais um bipe, uma oitava abaixo do bipe anterior. Uma Ordem saiu pela impressora, e o Agente foi verificar. Olhou para o Sr. A. e voltou andando depressa, dizendo: “Desculpe, mas o senhor não faz mais parte desse grupo” e tomou o cartão das mãos de A. antes que este terminasse de ler os detalhes no verso.
Afinal, A. tinha passado a pertencer ao grupo que criara, o que fazia com que deixasse de preencher o requisito necessário para participar.
Quando o Agente rasgou o cartão de A., mais um cartão saiu pela impressora do CA. Era para A. O Agente entregou o cartão para A., que o aceitou, para logo em seguida ver-se entregando de volta o cartão para o Agente, que o rasgava. Em seguida, mais um cartão saía do CA.
Enquanto isso acontecia, as luzes do CA começaram a piscar mais repetidamente, e no décimo cartão o computador começou a emitir vários bipes, desodernadamente. No vigésimo cartão, quando o Agente e A. já estavam fartos da situação, uma fumaça esverdeada saiu de trás do computador, e uma sirene de emergência soou no local. Policiais emergiram das janelas, das portas e do teto, e então prenderam A. Os cartões de boas-vindas e as Ordens de Retirada amontoavam-se ao redor da impressora. A atendente, então, em uma manobra muito inteligente, deletou o grupo do computador, o que fez com que toda balbúrdia de sons e luzes parasse na hora.

O Sr. A. encontra-se atualmente no Presídio Hipotético, aguardando julgamento por violar as Leis da Lógica.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Domínio da Mãe

Depois de um ano particularmente puxado, não tem nada como merecidas férias. E, depois de já ter enjoado de não fazer nada em casa, nada melhor do que ir fazer nada com os amigos na praia, e foi o que eu fiz, porque tive um ano particularmente puxado e porque já estava enjoado de não fazer nada sozinho em casa.

A praia que eu fui não é bem praia, no sentido mais limitado do termo, isto é, litoral, mar, água salgada, maresia, essas coisas. Fui pra Arambaré, que é praia de água doce e, segundo o seu próprio (e por isso mesmo muito suspeito) jornal turístico, “a melhor praia da Lagoa dos Patos”. Segue um trecho do que escrevi no meu diário/registro/bloco de notas enquanto estive lá, sobre lá:

“[falo extensamente sobre o fato de que escrevo muito mais no diário quando estou lá] [...] Existem outras propriedades interessantes nesse pedacinho de céu. Umas delas é a atemporalidade: facilmente perde-se nos dias do mês e nos da semana, 3 dias parecem todo o tempo do mundo, 2 semanas parecem passar num piscar de olhos; no fim, é tudo um emaranhado estranho de boas e alegres lembranças. [...]”

“Outra propriedade é a do espaço. Não se tem noção de onde de fato se está. [...] Talvez a preguiça e o cansaço ajudem nessa sensação de fluidez, de harmonia com o universo, de estar no todo ao mesmo tempo do não-estar absoluto.”

“As duas facetas retiram de Arambaré a dimensão temporal e as 3 de espaço, tornando-a uma cidade-ponto que é-sempre-foi.”

O resto descia para um nível absurdamente filosófico, físico e de certo modo cheirado, portanto não convém para ninguém mostrar aqui.

Lá ficamos eu e mais três pessoas, com quem passei momentos maravilhosos e únicos. Foi uma experiência interessante, pois estávamos, na prática, sozinhos. Portanto boa parte do que comíamos era preparado por ninguém menos que nós mesmos. (Às vezes a vó da minha prima fazia o almoço, mas as demais refeições eram por nossa conta). Deve existir alguma coisa, sobre a qual falarei algum dia desses (quando o “algum dia desses” chegar, terei tanta coisa para escrever que não sei se vou conseguir fazer qualquer outra coisa), que faz com que quando produzimos para nós mesmos o prazer de consumir seja consideravelmente mais interessante; mesmo lavar a louça, nesse sentido, torna-se uma atividade boa, saudável. Sentir-se inútil passa a ser insalubre, e chega a dar a sensação de claustrofobia por estar preso a você mesmo (poético, né?).

Creio fortemente que o futuro mais aceitável é aquele em que as pessoas fazem suas próprias coisas, plantam sua própria comida e se expressam em uma ou mais formas de arte. É um futuro em que a simples lembrança de já ter se comprado compulsivamente, só para comprar, por causa desse superconsumismo irracional, gera em todos a repulsa que merece. Espero ver isso acontecer.

Voltando ao presente, eu estava falando sobre as atividades da praia. Elas não se limitavam à diversão, portanto, também incluíam o trato doméstico (lavar as cuecas durante o banho! Quem diria!) e o financeiro (reuniões de cúpula entre nós quatro eram freqüentes, para decidir quanto de queijo, pão, essas coisas, comprar, e para decidir quando podíamos nos dar o luxo de beber Pepsi, ou comer Trakinas).
Foi muito legal, voltei de alma lavada. De certa forma, desinfetada também, com álcool, mas isso já é outra história.

Já em casa, fui fazer uma presença pra minha mãe e quis ajudar ela a fazer pastéis. Ela sempre reclamava que eu passava todo o tempo que estava em casa lendo ou no computador, nunca ajudando ela na cozinha, então resolvi ajudar, ainda mais agora que estava com toda a prática de cozinha fresquinha na mente, tendo participado da manufatura de dois rodízios de pastéis na praia. Me pus a fazer os de queijo com orégano, enquanto ela fazia a carne. Ela achou estranho, mas continuou na carne. Foi quando sugeri que ela botasse só cebola, como tínhamos feito na praia, e não botasse os outros temperos que costumava botar.

{Parênteses 1 de 2: imagina eu sugerindo uma mudança na forma de preparar comida! É o sinal dos tempos. Sempre fui familiarizado com leis físicas, leis da natureza, leis da matemática... mas sempre fui um zero à esquerda no que tange à como limpar, como varrer, como cozinhar, a ponto de muitas vezes não saber se o que eu gostava era de nata, margarina ou maionese no pão. Se alguém me perguntasse se gostava de tal ou tal tempero, aí sim, suava frio, começava a tremer as mãos e os pés, olhava com olhos suplicantes para alguém ao redor para que viesse em meu socorro, mas no geral quem perguntava logo notava minha angústia e fazia de conta que eu tinha respondido algo mais inteligente do que um “tanto faz”, ou o famoso e mentiroso “eu como de tudo, não importa”. Portanto, o evento de eu sugerir para minha mãe que não pusesse pimentão nem tomate, mas somente cebola e um pouquinho de sal, e mais do que isso, fazer essa sugestão de forma plenamente consciente, de mente limpa e certo do resultado que tal manobra resultaria, era digno, na minha opinião, de abrir um champanhe e sair pra comemorar.}

{Parênteses 2 de 2: ao contrário do que pensam as mulheres, nós homens somos sim sensíveis, no sentido de que sentimos o que acontece ao nosso redor. Digo isso dos homens que sejam parecidos comigo, pelo menos, mas não duvido muito que seja bem geral essa característica. O que muda das mulheres para nós, é que na imensa maioria das vezes nós não nos importamos. Se você, leitora mulher, alguma vez respondeu “não sei, tanto faz” para uma pergunta de um homem, quando na verdade sabia exatamente o que queria mas queria que ele adivinhasse o que você queria para te “surpreender” com tamanha clarividência, e em seguida se viu verdadeiramente surpreendida porque “aquele insensível” não fez o que você imaginava que ele fizesse levando em conta o que você queria, não seja injusta ao dizer que ele não sabia qual era a sua preferência. Ele sabia. Mas como você não expressou isso claramente, provavelmente ele achou que foi imaginação dele ou pensou que se você não disse claramente é porque claramente não queria aquilo de verdade, ficando desse modo a cargo do homem decidir sozinho, levando em conta somente o que ele achasse melhor. Um homem que faz sempre o que a mulher quer não é sensível; é um grande idiota.
Mas disse isso porque quando sugeri a mudança de tempero para minha mãe, logo vi que não estava agradando. O tempo fechou ao redor dela, sumiram o sol e o arco-íris, os passarinhos pararam de cantar e uma aura de insatisfação começou a girar na cozinha. Fiz de conta que não notei, e continuei nos meus pastéis de queijo com orégano.}

Depois disso, a atmosfera da cozinha ficou um pouco mais pesada. Uma tensão claramente crescia no ar. Sentia como se a qualquer momento se rompesse a rigidez dielétrica do ar e se visse fagulhas saindo da minha mãe. Eu estava no domínio dela, não importa se estava ajudando. Não importa se estávamos em um programa legal de mãe e filho. Não importa se foram incontáveis as vezes em que ela quis que eu fizesse exatamente isso que estava fazendo. Ultrapassei os limites na hierarquia da caverna pré-histórica, no lugar onde a Mulher sempre reinou, mesmo antes de queimar seu Sutiã: a Cozinha.

Anos de vida em sociedade impediram minha mãe de me expulsar a vassouradas. Tudo isso eu captava com a antena da minha sensibilidade. Foi quando a antena do meu celular captou uma mensagem SMS dizendo que eu era aguardado no MSN para marcar uma festa. Minha mãe mais do que prontamente disse “Pode ir, eu cuido do resto aqui”. Com a minha antena captei também que existia duas páginas de senãos escondidos nessa permissão, e foi aí que decidi acatar o que captei, e fui pro quarto. Já tinha terminado os pastéis de queijo.

Mais tarde, metade dos pastéis de carne tinham temperos a mais, mas os meus só tinham cebola. Acho que isso foi uma forma de dizer que tudo bem dessa vez, entendia, até tinha gostado, mas que não se repetisse nunca mais.

Eu que fique com a louça.