sábado, 12 de junho de 2010

Nem preto, nem branco: cinza

Em tempos mais felizes de ignorância e rudeza, o homem tinha mais liberdade. Não sei a mulher, mas o homem tinha. Tinha toda uma tribo de opções para copular, e sem apego. Mas veio a Evolução e determinou que os casais que tivessem relações sexuais também deveriam ter relações emocionais, assim tendo mais chances de cuidar dos seus rebentos até que esses, por sua vez, estivessem em idade suficiente para afogar o ganso e passar adiante os genes da monogamia.

E aqui cabe um salve pro pessoal da Xurupita. Eu sou um defensor ferrenho da Evolução, face às teorias pseudo-científicas que fazem tanto barulho dizendo que existem falhas no evolucionismo, desde o criacionismo mais bitolado, passando pelo criacionismo “episódico” até o mais enfeitado Design Inteligente. Só não sou mais militante porque me foi demonstrado empiricamente, obedecendo a um método científico, que eu não conseguiria manter um bom círculo de amizade caso virasse um desses fanáticos que não conseguem guardar o riso para o interior, que sentem sempre necessidade de polemizar, geralmente em momentos pouco oportunos. A maioria das pessoas vai seguir feliz a sua vida, mesmo que não se evangelize ou desevangelize elas. O que eu quis dizer, mas acabei não dizendo pela emoção do momento, é que apesar de ser um partidário da evolução, acho que ela errou feio em instituir o casamento.

Bom, feito o salve, retorno aos momentos felizes. E eram mesmo. Antes da Evolução meter o bedelho, a vida era uma festa: enquanto não nos matávamos caçando, nos matávamos em orgias selvagens, sem pudores, sem valores morais, sem roupas. Se tivesse sido inventado o vinho, lá estaria ele também. Mas não. Surgiu o namoro e o compromisso de cuidar de uma fêmea por vez. Game over, fim da festa Neandertal.

Não fosse a fundação do namoro, não existiria casamento, nem separação. Nossa, não existiriam as ex’s. Gente: não existiriam sogras. Isso, vocês terão de concordar comigo, é argumento suficiente. Mas enfim.

A maior parte dos problemas que temos hoje deriva daí. Sem o seu pilar mais fundamental que é a família, o governo não existiria, não poderia nos roubar nem zoar com nossa cara. Outras organizações, trabalho, escola, toda essa parafernália que usamos para dar algum sentido a nossa existência, para sanar a carência de que a Evolução nos impingiu ao cortar parte de nossa felicidade, não estariam aí. Zero por cento de estresse.

É claro, falarão, esses são maus necessários. O trabalho dignifica o homem; o estudo enleva o espírito; o homem é mais homem quando vive em sociedade. E eu concordo. Confraternizar com Baco o dia inteiro deve ser interessante, mas há algo que falta aí, alguma coisa na nossa cabeça não acha isso suficiente, decerto essa dúvida tenha sido plantada pela própria Evolução, como forma de evitar que se fizesse o que faço hoje aqui: falar mal de alguma escolha dEla. Que seja. Ela estava correta, ou pelo menos suponho que estava.

Mas nós não somos joguetes do destino. Estamos aí não só como peças no jogo, mas como participantes, que jogam também. Todos ao mesmo tempo, sim, gritando e falando juntos, sim, como em um pregão da bolsa. É o jeito. Mas inventamos a camisinha, o anticoncepcional e outros artigos de lazer. E notamos algumas coisas que o compromisso sugere: a) estando com alguém, acaba-se criando por esse alguém aquilo que chamamos de Amor, com letra maiúscula, e diz-se que isso é ótimo, perfeito, imaculado, idolatrado, salve, salve!, e também, no caso de não haver amor, pelo menos pode haver o resto; b) estando-se com alguém, você só pode estar com esse alguém; c) estando sozinho, pode-se estar com quem você quiser; d) geralmente, quando você está sozinho, nunca encontra ninguém para estar com você.

É a história da grama verde do vizinho. O homem é um eterno insatisfeito, que sempre quer mais. E por isso inventou aquilo que provou ser mais útil que o transistor, mais bonito do que eu, e não é um pássaro, não é um avião e nem o Super-Homem. É o relacionamento aberto. Vulgarmente conhecido como amizade colorida.

Une o melhor de dois mundos, e satisfaz os insatisfeitos. Em um mundo de mente aberta como o nosso, vai estar cada vez mais presente, vocês verão. Os nossos antepassados se orgulhariam de nos ver hoje: evoluídos o suficiente para reinventar os modos de nos relacionarmos uns com os outros, de certa forma retornando às antigas, e apesar de toda a desconcentração que isso gera, ainda manter vivos a Física Quântica, o Cálculo Diferencial e Integral e a série Lost, criações supremas da mente humana, outrora acorrentada a um parceiro pelo resto da vida.

Um abraço aí pra todos!