quarta-feira, 15 de julho de 2009

Não é a Morte da Bezerra

O temor da morte é um dos mais antigos, e de certo modo é algo que movimenta o mundo desde sempre. Isso e a vontade de fazer sexo, mas não vem ao caso exatamente.
Medo de morrer e medo de que morra algum ente querido, ou algum querido que não seja ente(!?), nos privando de sua companhia e nos desesperando com o fato de que vê-lo novamente só em lembranças. Porém a dor da perda é superável, mas a morte não, e é por isso que eu temo a minha própria morte mais do que a morte das pessoas a minha volta: se eles morrerem, a dor vai ser grande, enorme em alguns casos, mas passa e momentos alegres voltarão; já se eu morro, não tem choro nem vela, já era. Na minha visão, é preferível uma situação de dor absurda, mas com esperança de felicidade do que uma situação de total falta de expectativa (de tristeza ou felicidade).
No caso improvável de que eu morra, sei que o mundo continua mesmo sem a minha presença. Digo improvável por que existem seis bilhões de pessoas lá fora para morrer, então por que isso aconteceria logo comigo? Pois é.

Existem pessoas que não querem morrer queimadas ou afogadas, devido o alto sofrimento envolvido no processo. Algumas gostariam de morrer dormindo, ou anestesiadas pra caramba. Eu, por outro lado, não gostaria de morrer. De fato, pretendo viver para sempre; mas como os fatos não dependem de pretensões, sei que não vai acontecer como quero. Talvez objetivando tão inalcançável objetivo eu chegue mais longe do que se pretendesse algo não absurdo, mas isso também já é questão para debate de filosofia, e não para este post deliberadamente mórbido. Viver para sempre, então, talvez não seja possível. E também não é tão certo que isso seria legal, já que em termos de tempo, eu só vivi 15 anos. Para o mundo, “todo o tempo do mundo” é a eternidade, mas para mim isso por enquanto dura 15 anos. Essa defasagem de perspectivas certamente leva a julgamentos errados. Concluindo essa idéia, viver na eternidade mesmo que possível, talvez não seja uma boa idéia. Vai saber.
Deixada de lado então a imortalidade, e visto que uma vida que acaba tem um fim (por definição, algo “que acaba”, é por que tem um fim, Ana Maria Braga!), se eu pudesse escolher como eu esticaria as pernas eu escolheria fazê-lo fazendo algo que eu goste. Ou que eu goste na época que tal coisa acontecer. Lendo, caminhando, sentado pensando... Simplesmente do nada meu coração parar e eu fechar os olhos como se fosse tirar mais uma soneca. Afinal, “o sono é uma morte incompleta; a morte é o sono perfeito”.
Em outras palavras, uma morte tranqüila, de causas naturais. Da mesma forma que todo mundo morreria se não existissem as armas e o fast-food.
A época da morte é ainda mais difícil de escolher. Contanto que demore bastante, a morte seria bem vinda apenas depois do momento que eu já não sou independente para viver. Minha cabeça acho que vai ser boa até a hora da morte, então talvez eu vou estar apenas com o hardware avariado. Concluo então que não existe conclusão para isso. Estar lúcido é o suficiente para ser feliz? Cabe a cada um responder, eu acho.

Comigo já morto, não sei se faz algum sentido eu dizer como gostaria que fosse o meu enterro. A minha atual crença (ou mais apropriadamente “falta de”) é uma visão material e racional da vida, segundo o qual a vida acaba quando as funções cerebrais acabam. Nenhuma alma ou espírito para supervisionar o que os meus amigos e parentes fariam com o meu corpo defunto.
Mas, ora bolas, se as coisas fizessem sentido em tempo integral a vida seria uma sucessão de chatices previsíveis. Como não é o caso, então o que na verdade não faz sentido é eu deixar de dizer como eu gostaria que fosse o meu enterro só por que tal emissão de opinião não vai na prática me dizer respeito. Então lá vai.
Fugindo do lugar-comum de dizer que eu quero um enterro feliz, com música e dança, eu quero um enterro onde todos estejam chorando a cântaros por minha partida. Me reservo o direito a esse egoísmo último. Quero morrer amado e admirado, e quero que as pessoas expressem isso. De preferência em vida, mas se não for possível que o façam no meu velório.
Na parte religiosa, não faço questão que tenha um padre ou pastor abençoando o meu “invólucro sagrado” vazio. O que vai acontecer é que meus parentes vão acabar chamando um, e se isso os confortarem, tanto melhor. Todos nós temos direito a essa irracionalidade em um momento difícil como o que descrevo. Eu, pessoalmente, penso seriamente em pedir apostasia da igreja, se isso não me custar dinheiro ou um preconceito muito forte. Se eu estiver errado, me entendo com o Monstro do Espaguete Voador depois. A possibilidade de que tudo o que sabemos está errado é sempre uma possibilidade; não trabalhar com essa idéia é demonstrar ignorância tanto quanto quem nem quer saber das outras possibilidades.
De qualquer modo, eu também pretendo (por todo o tempo que pretendo viver) ser uma pessoa boa, e isso, espero, talvez me redima do pecado de acreditar no que atualmente me parece mais acreditável.

A morte é um tema bastante difícil de esgotar. Mas não é de todo triste, pois faz parte da vida e nos impulsiona no sentido de continuar vivendo cada dia como se ele fosse o último. E esse é o nosso objetivo, não?

Abraço!