quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Bricks and walls and stuff...

 A educação formal é o jeito que acabou se firmando como o correto para passar o conhecimento das gerações passadas para as gerações mais novas. Desbancou a conversa ao redor da fogueira e deixou as marcas nas paredes das cavernas no chinelo, em questão de eficiência e eficácia (sério, alguém aí sabe mesmo a diferença entre as duas coisas?).
E não é muito novo esse formato. Essa coisa de desde cedo mandarmos as crianças para a escola, onde elas terão que repetir várias vezes nossas pérolas da Verdade até que entendam ou, no mínimo, as conheçam suficientemente bem para que as papagaieiem (do verbo papagaiar) adiante, e onde além disso terão que respeitar o professor e assim aprender hierarquia, e respeitar os colegas e assim aprender civilidade, e conhecer os pontos cegos da escola e assim conhecer o mercado sexual paralelo da sociedade moderna, essas coisas que se aprende na escola, isso tudo era muito útil na época das indústrias, de bater cartão na entrada e na saída como o Coiote e o Papa-Léguas, de ser importante apenas até o ponto em que se ainda é lucrativo etc.

Não vou criticar o modelo. Tem um monte de gente criticando o Enem e entre eles alguns estão criticando o modelo. O que eu queria ressaltar é que ele é antigo.

E no tempo todo que o modelo esteve aí para se aperfeiçoar, surgiram algumas fórmulas prontas de como ensinar algumas coisas. Vocês conhecem bem algumas. Laranjas para aprender soma, pintar mapas para aprender Geografia, ligar três casas a três empresas de utilidades diferentes (sem cruzar as linhas!) para aprender sobre grafos não-planares, e por aí vai. Um muito legal, na minha opinião, é o que se usa para ensinar implicação lógica.
Nas aulas de lógica se aprende a aferir o valor lógico (verdadeiro ou falso) de uma proposição a partir das suas componentes e das formas como elas se relacionam. Assim, a proposição “o leitor está entediado OU o leitor está começando a ficar entediado” vai ter valor verdadeiro se qualquer uma das duas componentes for verdadeira – e eu tenho sifragol o bastante para admitir que provavelmente uma delas É verdadeira. Semelhantemente para a frase “o leitor não está entediado E o leitor não está ficando entediado”, que seria verdadeira se ambas as componentes fossem verdadeiras... e provavelmente não são. Não vou ser chato como o Lemony Snicket que vive dizendo para os leitores irem fazer outra coisa da vida, mas caso você queira, é um bom momento para pensar no assunto.
A operação lógica que é ensinada de uma forma memorável é a implicação lógica. “Se A então B” só é falsa quando A é verdadeiro e B é falso. Essa definição é árida e sem graça. Muito melhor quando contextualizada com política. O político candidato diz:

- Se eu for eleito, revolucionarei a educação!

Pois bem, agora fica mais fácil. Digamos que o candidato seja eleito. Se ele revolucionar a educação, tudo bem, cumpriu a promessa e, em termos lógicos, sua proposição de implicação foi verdadeira. Se ele não revolucionar a educação, daí então a proposição era falsa, e ele provou ser mais um político como os outros.
Agora digamos que ele não seja eleito. Se ele não revolucionar a educação, ninguém pode reclamar de nada, porque ele disse que iria fazê-lo caso fosse eleito, mas não prometeu nada para o caso em que não fosse eleito. Se ele revolucionar a educação mesmo não tendo sido eleito, também a proposição era verdadeira, ele não fez nada contrário ao que prometeu. É claro que tal cenário é extremamente improvável, e admito que ensinar implicação lógica talvez fique mais confuso se o professor botar um político que talvez cumpra sua promessa mesmo sem ter sido eleito.
Agora, digamos que o candidato queira ser mais persuasivo, quase ameaçador. Ele dirá:

- Revolucionarei a educação se e somente se eu for eleito!

Nesse caso, a implicação é dupla. Vale a ida e a volta. Ou seja: se ele não for eleito, necas de pitibiribas para a educação. Mas o público provavelmente não entenderia o que ele quis dizer. Imaginem! Usar vocabulário de demonstração matemática num palanque em que o mais recomendado é falar pausadamente, com palavras curtas e sem muitas ideias complexas, para que a massa possa se sentir acolhida e não se sentir muito alienada do que está acontecendo... Esse candidato, por ser político, certamente notaria o ar de perplexidade no semblante geral e se poria a explicar. Talvez demorasse algum tempo, uma meia hora, ia falar sobre Lógica, sobre os fundamentos da Matemática, sobre coisas que são, coisas que não são e coisas que são o não-ser, essas coisas. Alguns entre as pessoas da plateia talvez até gostassem e entendessem o que estivessem ouvindo, talvez aquilo fosse a fagulha que faltava para incendiar a curiosidade natural que todos temos, não que alguém fosse virar doutor por ouvi-lo falar sobre lógica, mas certamente iria encarar a vida de forma mais questionadora, querendo mais do que exemplos com laranjas e modelos medievais de ensino, talvez quisesse retornar para formas mais antigas e conversar ao redor da fogueira com os mais velhos, ou inventasse jeitos novos de aprender, quem sabe...
Isto é, o candidato estaria revolucionando o ensino. Mas ele nem havia sido eleito! Portanto sua proposição de implicação dupla é falsa, e ele estava mentindo.


Ou seja: não há esperança para alguns políticos.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Tarô

Pegava o primeiro metrô do dia para a casa da mãe, única solução em que conseguiu pensar sendo um homem adulto e maduro, e continuava manejando incansável o baralho de tarô, retirando cartas aleatoriamente e sempre recebendo invariavelmente a mesma previsão.
Aquilo já tinha passado dos limites, e tinha começado como uma simples brincadeira. Ele e seus amigos estavam em uma dessas feiras itinerantes, que trazem para a cidade tendas de reiki, cristais, massagem dos chakras, e todo tipo de bobagem new age que se possa imaginar, e por provocação dos amigos, que sabiam que Alain era um materialista convicto para quem o sobrenatural era apenas um nome diferente para aquilo que não entendemos ainda, decidiu ir na tenda do tarô e ver o que as cartas lhe diriam.
O resultado ele já esperava. A velha decrépita que lhe atendeu no interior escuro e com o ar saturado de fumaça de incenso da tenda lhe tirou três cartas que previam alguma merda genérica que teria sido uma boa previsão para pelo menos 99% da população. “As cartas não mentem!” disse ela, como ele tinha certeza que dizia para todos os seus clientes. Pagou a consulta, satisfeito por não se ter deixado enganar pela atmosfera do lugar, e já se virava para sair e contar a experiẽncia para os amigos quando a velha lhe chamou, como se tivesse lhe ocorrido de súbito uma ideia de última hora.
- Acho que deves levar um desses – disse a velha, com um ar teatral que só não arrancou risos de Alain por se tratar de uma senhora de idade, provavelmente às portas da senilidade. Ela apontava para um baralho de tarô exposto na prateleira ao lado da mesa de consulta.
Quando estava prestes a declinar da oferta, Alain pensou melhor. Afinal, seria legal ter um troféu de lembrança da situação toda. Pegou o baralho e pagou à senhora. Antes de sair, ela arrancou-lhe mais alguns trocados em troca de um manual de como se fazer as previsões.
A noite foi de farra e diversão. Alain logo virou o centro das atenções com suas cartas e vaticínios, os quais ele fazia numa imitação muito boa de sotaque cigano, como visto nos filmes. Ao fim da festa, pegou um taxi em foi para casa.
Largou o baralho na mesa de cabeceira da cama e foi tomar banho. Quando voltou, preparava-se para dormir quando deixou o olhar recair sobre o baralho.
Lembrava-se disso agora e se dava conta do quão errada tinha sido a decisão que tomara a seguir. Será que tivera escolha? Afinal destino é destino.... Mas não, isso era loucura. As pessoas ao seu redor no metrô seguiam absortas em seus próprios problemas, inconscientes do que se passava com Alain. Ele tirou três cartas, e eram as mesmas que havia tirado no momento em que olhara para o baralho em sua mesa de cabeceira durante a madrugada.
A princípio aquilo mais o divertira do que assustara. Chegara a pensar que era “um final dramático para uma noite daquelas”. Então recolocara as cartas no baralho, embaralhou de qualquer maneira e tirou novamente três cartas aleatoriamente. Eram as mesmas.
“Ok, isso certamente é uma anomalia probabilística, ou algo assim, nada demais.” Mas seu coração já batia acelerado. Repôs as cartas, embaralhou, e retirou mais uma vez um trio, novamente as mesmas três cartas.
Devia estar louco, vendo coisas, aquilo devia ser efeito do álcool e das outras coisas que seus amigos usavam e que, através da fumaça, acabava compartilhando da viagem. Tentou se concentrar e retirou trẽs cartas novamente, e o trio reaparecia como das outras vezes. Tocou o baralho contra a parede e foi para a cozinha tomar um copo d'água para se acalmar.
Já recomposto, voltou para o quarto. Todas as cartas estavam espalhadas e viradas para cima, exceto três. A calma foi embora.
Recolheu suas coisas e foi para o metrô. O baralho, é claro, levara junto.
Agora olhava para as cartas em sua mão, pensando em quão absurdo aquilo tudo estava sendo. “Essas coisas não existem!”. As cartas, no entanto, teimavam em prever sempre a mesma coisa. Retirou trẽs cartas, já não se surpreendeu quando eram as mesmas, e as repôs atrás do baralho. Não embaralhou dessa vez, e retirou trẽs cartas de cima. Seu coração perdeu um compasso quando viu que eram as mesmas. Mas não as havia posto na parte final do baralho? Verificou, e não estavam lá, onde encontrou três outras cartas quaisquer. Isso era loucura. Devia estar ficando louco.
Olhava ao redor, e não encontrava solução no rosto de nenhum dos passageiros característicos que lhe acompanhavam no metrô àquela hora. Inconscientemente sabia que todos ali estavam ligados a ele pelas cartas. O drogado que estava jogado no banco da frente como um saco de bosta, o grupo de adolescentes querendo parecer adultos que tomavam energético misturado com alguma outra coisa fedorenta que não conseguia identificar, o mendicante que tinha sofrido um acidente de trabalho e que pedia por favor, por favor, um trocado qualquer, tenho família e ninguém quer dar trabalho para um velho necrosado como eu. Todos seguiam como se nada fosse acontecer, mas Alain sabia da verdade. As cartas não mentem.
Quando soou o freio e todos foram jogados para frente pela inércia, Alain deixou sem querer as cartas voarem de suas mãos. Enquanto todos gritavam e em algum lugar iniciava-se um incêndio por causa do choque entre os dois vagões que estavam, em um erro de cálculo, indo um contra o outro pelos mesmos trilhos, Alain via passar diante de seus olhos as três cartas que lhe perseguiam e cuja combinação significavam apenas uma coisa, uma coisa que no momento derradeiro tomou sua mente e o fez esquecer toda a balbúrdia ao redor:
A Morte.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os Esbarros de Sábado à Noite

Quem me conhece sabe que eu sou um cara totalmente contra violência. Desde pequeno fui ensinado que resolver um problema diplomaticamente não só é melhor para a saúde como também nos torna superiores. Além disso, não sou só contra a violência física, também evito a todo custo discussões em que as paixões fiquem muito a flor da pele, um terreno em que as inimizades podem crescer livremente. Sempre que estou discutindo alguma coisa, quando vejo que a coisa tá ficando feia já aciono meu lado apaziguador, posso até mesmo admitir a razão do outro se eu ver que isso vai evitar um bate-boca desnecessário. Às vezes me acho um banana por causa disso, mas se esse é o preço de ser gentil, não vejo alternativa a não ser pagar.
Todos esses ideais foram testados no sábado. Fui convidado para ir numa boate aqui de Novo Hamburgo, recém reaberta, para comemorar o aniversário de duas amigas. Estava tudo muito bom, o lugar ficou realmente mais bonito depois de reformado, a gente tinha mesa, ganhou champanhe, e até ganhamos uma garrafa de vodka sabor maçã verde que me fez voltar a gostar de vodka. Que vodka boa.
Até que... (se não fossem todos esses “até que...” a vida seria muito boa, não? Só alegria, só festa, todo mundo sorrindo, unicórnios dourados galopando no arco-íris, etc.)... até que abriram a pista. Antes disso estávamos no pub ingerindo quantidades razoáveis de álcool. Fomos, faceiros com a perspectiva de assustar um pouco do frio, para a pista de dança. Mas logo percebemos que aquilo não era uma pista de dança, estava mais é para carrinho choque. Sabem, aquele brinquedo do parque de diversões em que o objetivo é chocar-se contra os outros? Pois é, o que vivemos na pista de dança no sábado foi uma versão genérica disso, só que sem o carro e sem as diversões.
Na primeira vez que me empurraram, nem notei. Isso é meio comum em boates, as pessoas esbarram nas outras. Na segunda vez, comecei a ficar desconfortável. Lá pelas tantas, a sensação é que não conseguia embalar um passo de dança sem ser atingido por algum filho da p*ta que aparentemente tinha algo muito importante a fazer em algum outro ponto da festa, onde para chegar tinha que, inevitavelmente, passar exatamente por onde eu estava (tentando) dançar.
A cada esbarrão, eu torcia um pouquinho mais meu pâncreas na tentativa de aplacar a raiva que borbulhava dentro do meu ser. Os piores momentos foram aqueles em que os desconhecidos esbarravam (e pra valer!) nas garotas do nosso grupo. Ah, nesse momento subia o sangue para os olhos, e sentíamos eu e meus parceiros uma reação sub-reptiliana que nos fazia sentir vontade de arrastar a cabeça do sujeito que tinha esbarrado nas nossas garotas no asfalto, até que sobrasse só o cupim da sua cara de pau.
Mesmo nesses momentos, nosso lado pacífico se sobressaía e evitava a catástrofe. Como eu disse, sou muito da paz. A única vez, na verdade, que fui às vias de fato com alguém foi na terceira série.
Não lembro os motivos, as razões nem as circunstâncias da briga, só lembro que foi no meio do pátio da escola. Provavelmente era por causa de guria, porque (pasmem) até a quarta-série eu era uma versão mini de um galã de cinema; nesses tenros anos da infância, a inteligência ainda é atrativa para o gênero feminino. Infelizmente isso muda a partir da quinta série, em que as gurias passam a preferir o tipo sem-futuro que se dependura nos muros da escola na hora do recreio. Dizem que em algum momento entre o ensino médio e os 30 anos elas voltam a preferir os bons partidos, mas por enquanto isso é mito. Oremos.
Enfim, ignorando os motivos, lembro de estar frente a frente com meu então inimigo declarado no meio do pátio. Nos olhávamos diretamente nos olhos, e ficamos circulando algum tempo um ao outro, como achávamos que deveria ser o jeito certo de começar uma briga. Os passantes se aglomeravam e as professoras que deveriam estar cuidando para que esse tipo de coisa não acontecesse provavelmente estavam na sala do cafezinho nos dando um pouco de privacidade. Fui para cima, que nunca tive muita paciência para esperas desnecessárias. Dei um chute, em seguida um empurrão e caímos ambos no chão de areia e brita. E foi assim a grande briga da minha vida.
Muito mais tarde, fiz aulas de taekwondo, de forma que acabei participando de lutas novamente, mas sem o objetivo de tirar sangue nem nada. Apesar de ter me dado mais know-how de como machucar com um chute, a experiência com o taekwondo me fez, como eu acho que a maioria das artes marciais faz com seus praticantes, abominar ainda mais a violência.
E foi por isso que no sábado, quando pela trigésima vez éramos empurrados, eu reuni todas as minhas forças para combater as imagens que passavam diante dos meus olhos, de sangue, luta e morte. Tive que combater os instintos mais primitivos do ser humano, que surgiram na espécie em tempo imemoriais, quando os australopitecos iam nas boates e eram empurrados e resolviam a situação canibalizando metade da tribo adversária. Não foi fácil.
Quando percebemos que não aguentaríamos mais muito tempo, voltamos para o pub. Terminamos a festa lá, rindo da coisa toda. Da próxima vez, vamos tentar ficar mais nos cantos da festa, onde deve ter menos gente querendo passar.
O que se aprendeu foi que é possível manter a civilidade sob pressões muito altas e que não é preciso recorrer a nenhum tipo de violência quando te empurram na boate.
Ou talvez a um ou dois pontapés.
PS1: você não veio parar no blog errado. Estou apenas experimentando alguns layouts, e nenhum animal será ferido no processo.
PS2: esse texto eu criei depois do desafio lançado pela Fê Probst no blog dela. O desafio consiste em escrever um texto quemomentista, isto é, seguindo o estilo do meu amigo Antônio, cujos escritos recentemente viraram livro. É claro que não se compara, e eu não sei dizer se o texto está bem quemomentista mesmo, mas a tenteada é gratuita e foi divertido! Quem quiser conhecer o trabalho do Antônio pode verificar aqui no Que Momento, blog dele, e recomendo fortemente que o façam, não é por ser meu amigo, é que o cara é fera mesmo ;)

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Cabeça de Pedra Polida


O desenvolvimento humano é inegável. Sobretudo se compararmos o nosso atual estilo de vida com aquele que praticavam nossos ancestrais mais remotos, nos tempos das cavernas. Desde então, passamos por várias invenções maravilhosas, a roda, a lâmpada, a função shuffle nos tocadores de música; algumas das quais prolongaram nossa vida consideravelmente, como a penicilina e a higiene, ou só deixaram a vida mais fácil, como o automóvel, o correio, a internet.
E o desenvolvimento não se deu apenas no âmbito físico. No mundo das ideias avançamos também, e não só na ciência que é diretamente necessária para haver toda essa parafernália tecnológica da qual somos cada vez mais dependentes. Afiamos nossa percepção de mundo e moldamos os conceitos para se adaptar àquilo que consideramos como “mais humano”.
É por isso que algumas coisas ainda me surpreendem, me tiram do sério, me deixam puto e com vontade de socar alguém.

Recentemente o pastor Silas Malafaia esteve naquele programa de entrevistas da Gabi. O banzé que se seguiu era esperado. Uma pessoa simplesmente não pode aparecer na TV falando o monte de asneiras que ele falava sem causar algum rebuliço.
“Mas Marcus, qual o problema dele ter a opinião dele?”
Ele ter a opinião dele é claro que não é problema. Cada um tem, afinal, a porcaria de opinião que quiser, e vivemos em um país em que cada um pode escolher de que forma deseja estar errado. Parte do problema que está relacionado com ele é a total falta de ética intelectual com que defende seu ponto de vista. Um discurso do dito é simplesmente um Minicurso de como vencer uma discussão sem necessariamente ter razão. Não vou falar de falácias aqui, há lugares nainternet que discorrem longamente sobre o assunto. O que é importante saber é que falácias não são coisas que se usam em uma discussão em que ambos os lados desejam, sobre todas as coisas, que a Verdade seja alcançada. As falácias se usam quando outros interesses estão envolvidos, seja ego, política ou dinheiro.
Um ponto interessante da entrevista do Malafaia é que ele gerou polêmica, mas isso foi benéfico. No meio da poeira e do fogo cruzado, surgiram vários vídeos (aqui e aqui) dissecando os argumentos que ele usou para sustentar sua posição, e os poucos que eu vi são muito bons. E se uma coisa tem subprodutos bons (isto é, traz à tona pessoas dispostas a esclarecer o assunto para aquelas dispostas a esclarecer-se a si mesmas), não foi de todo ruim.
Isso me leva ao outro problema relacionado com a opinião do pastor. A repercussão que ela tem. Isto é, se o Marcus fala sobre um assunto no blog dele, quem é atingido? Poucas pessoas. Agora, se o pastor fala sobre algo, isso atinge muita gente. Esse pastor em especial entra na casa de milhões de famílias várias noites para falar de Deus e do que é certo e errado. Ele próprio pode não agredir um homossexual; mas o que dizer de todos aqueles que o ouvem falar? Esses, se não acabam agredindo diretamente, no fim fortalecem a grande massa de pessoas do “não tenho nada contra, mas...”.
Mas ok, esse segundo problema pode ser questão de liberdade religiosa. Esse é um campo perigoso. Cada religião tem seus pontos de caráter duvidoso, isso não é uma exclusividade dos evangélicos. A Igreja Católica é contra métodos contraceptivos, mesmo em casos de superpopulação e de epidemia de DSTs. Algumas religiões são contra tratamentos com transfusão de sangue. Teve aquele grupo que cometeu suicídio coletivo na passagem de um cometa perto da Terra.
Enfim, é próprio das religiões esses pontos com os quais os demais não concordam. E não podemos chegar para essas pessoas e dizer que elas estão erradas; tecnicamente, elas podem estar certas. No assunto da homossexualidade, de fato existem passagens bíblicas que condenam o ato de um homem dormir com outro homem (todos sabemos o que “dormir com” significa nesse contexto). E se partirmos do pressuposto de que somos inferiores a Deus, que Deus tem seus motivos para ter feito as coisas como são, e que a Bíblia é a palavra de Deus, não temos opção se não aceitar o que está escrito nela. Se não aceita, você pode simplesmente não considerar-se parte do grupo que aceita. Ou pode ir para outro que interprete a coisa toda de forma diferente.
O que eu quero dizer é que o Silas tem direito de acreditar no que acredita, e de professar sua fé para aqueles dispostos a ouvi-la. O que ele não pode fazer é mexer na sociedade das pessoas que não acreditam no mesmo que ele. Ele pode odiar isso, mas existem pessoas no Brasil que não são evangélicas e – isso ele deve achar um verdadeiro absurdo – nem cristãs!
Como muito bem disse Barack Obama em um dos seus discursos depois da sua primeira eleição, a sociedade deve ser dirigida com base naquilo que todos nós podemos ver. A César o que é de César! Da mesma forma que nós não podemos fazer nada em relação ao que o Silas acredita, ele não pode nos impor isso, como, por exemplo, ele gostaria de fazer ao pressionar o Conselho de Psicologia no sentido de voltar a considerar a homossexualidade como uma condição tratável. Isso é um absurdo! A mesma forma de pensar que levou a Psicologia a considerar a homossexualidade como uma característica e não como uma doença foi aquela que nos prolongou a longevidade em pelo menos 40 anos, que nos deu a praticidade do microondas e (mais uma vez) essa maravilha que é o shuffle nos aparelhos de ouvir música. O método científico funciona, e não é porque muita gente acredita no contrário que devemos dar ouvidos ao que eles têm a dizer.

Como eu disse, nós avançamos muito. Mas fatos como a abertura das pernas do estado laico e as escolhas que as pessoas no comando tem feito ultimamente para cargos que poderiam fazer o pensamento avançar... esses fatos tem me feito pensar que, na verdade, ainda não saímos das cavernas.