As discussões sobre direitos e igualdades entre os homens são sempre eventos interessantes e estimulantes, como a maior parte das discussões filosóficas. Mas, por outro lado, e ainda como a maior parte das discussões filosóficas, elas podem levar a alguns becos sem saída, algumas verdades que comem o próprio rabo (também conhecidas pelo nome musical “paradoxo”) e outras coisas que devem ficar uma maravilha na feijoada.
Todos concordam que ninguém é mais do que ninguém, que todo mundo deve ser tratado igual, que somos todos iguais e que julgar os outros é errado. Isso é uma verdade universal, veio escrita na pedra e todos devem aceitar.
A hipocrisia, é claro, é um mal humano e também devemos aceitá-lo. Eu sempre tentei não julgar ninguém, sempre esperar o melhor das pessoas e de um modo geral pressupor que todos que eu não conheço são pessoas interessantes. Mas não dá, não sei se porque eu sou muito cricri e vou ser um velho solitário que só conversa com as enfermeiras no asilo, ou se porque a maioria das pessoas é desprezível mesmo, mas é dessa forma que as coisas me parecem agora: algumas pessoas simplesmente não estão conectadas ao mundo como as outras. Algumas pessoas tem aquela centelha nos olhos, a fagulha de consciência que demonstra que ela está funcionando em ressonância com os demais ao redor.
Essa coisa sutil de que falo é um sentimento que às vezes tenho em relação a algumas pessoas. Não se trata apenas de inteligência, ou apenas de esperteza, ou apenas de consciência*; essas pessoas são aquelas que têm uma boa conversa, que dão a impressão de terem sido crianças curiosas (e, por isso, terem crescido com essa característica). Elas estão em equilíbrio entre o mundo de cá, que todos partilhamos, e o mundo de lá, que é de cada um de nós separadamente. Ou o mundo de fora e o de dentro, depende o ponto de vista.
As pessoas que não tem essa faísca no fundo dos olhos são as “outras”. Não tenho vocabulário para expressar o que acho exatamente delas. É só que simplesmente elas parecem ser personagens fracos de uma novela escrita por um amador; são puramente reativas, suas ações podem ser facilmente previstas a partir dos estímulos que recebem; são aquelas que são sempre manobradas** nas discussões.
Ter que lidar com gente assim é uma das coisas que me enfudece a paciência, mas isso é assunto para outro post.
Eu me sinto um pouco mal por pensar assim – me impaciento com as pessoas “apagadas”, porque acho uma afronta pessoal elas passarem pela vida tão a passeio, e porque não me sinto superior o suficiente para simplesmente ignorá-las – mas não consigo evitar. E isso também pode vir em outro post.
Acho que já desabafei o que estava querendo escorrer pela orelha. Olhar o horário político me faz pensar muito na natureza humana e, entre outras coisas, me assustar com o quanto algumas pessoas se esforçam para serem vermes. Espero ter passado bem a ideia da centelha, é algo que me acompanha já desde antes do horário político.
Abraço!
*A consciência que falo aqui é aquela de se estar presente quando se está fazendo algo. Talvez não o tempo todo, porque em alguns momentos nos obrigamos a fazer algo mecanicamente; mas (e isso também me deixa puto) determinados indivíduos parecem viver a vida inteira no piloto automático.
**Essa manobra não quer dizer que eles têm a vontade manobrada. Quero significar aquelas pessoas que ou nunca mudam de opinião ou nunca têm uma opinião. Os “café-com-leite” que ninguém leva realmente a sério, cujos insultos ninguém acata, cuja ausência ninguém lamenta.