A educação formal é o jeito que
acabou se firmando como o correto para passar o conhecimento das
gerações passadas para as gerações mais novas. Desbancou a
conversa ao redor da fogueira e deixou as marcas nas paredes das
cavernas no chinelo, em questão de eficiência e eficácia (sério,
alguém aí sabe mesmo a diferença entre as duas coisas?).
E não é muito novo esse formato.
Essa coisa de desde cedo mandarmos as crianças para a escola, onde
elas terão que repetir várias vezes nossas pérolas da Verdade até
que entendam ou, no mínimo, as conheçam suficientemente bem para
que as papagaieiem (do verbo papagaiar) adiante, e onde além disso
terão que respeitar o professor e assim aprender hierarquia, e
respeitar os colegas e assim aprender civilidade, e conhecer os
pontos cegos da escola e assim conhecer o mercado sexual paralelo da
sociedade moderna, essas coisas que se aprende na escola, isso tudo
era muito útil na época das indústrias, de bater cartão na entrada
e na saída como o Coiote e o Papa-Léguas, de ser importante apenas
até o ponto em que se ainda é lucrativo etc.
Não vou criticar o modelo. Tem um
monte de gente criticando o Enem e entre eles alguns estão
criticando o modelo. O que eu queria ressaltar é que ele é antigo.
E no tempo todo que o modelo esteve aí
para se aperfeiçoar, surgiram algumas fórmulas prontas de como
ensinar algumas coisas. Vocês conhecem bem algumas. Laranjas para
aprender soma, pintar mapas para aprender Geografia, ligar três
casas a três empresas de utilidades diferentes (sem cruzar as
linhas!) para aprender sobre grafos não-planares, e por aí vai. Um
muito legal, na minha opinião, é o que se usa para ensinar
implicação lógica.
Nas aulas de lógica se aprende a
aferir o valor lógico (verdadeiro ou falso) de uma proposição a
partir das suas componentes e das formas como elas se relacionam.
Assim, a proposição “o leitor está entediado OU o leitor está
começando a ficar entediado” vai ter valor verdadeiro se qualquer
uma das duas componentes for verdadeira – e eu tenho sifragol o
bastante para admitir que provavelmente uma delas É verdadeira.
Semelhantemente para a frase “o leitor não está entediado E o
leitor não está ficando entediado”, que seria verdadeira se ambas
as componentes fossem verdadeiras... e provavelmente não são. Não
vou ser chato como o Lemony Snicket que vive dizendo para os leitores
irem fazer outra coisa da vida, mas caso você queira, é um bom
momento para pensar no assunto.
A operação lógica que é ensinada
de uma forma memorável é a implicação lógica. “Se A então B”
só é falsa quando A é verdadeiro e B é falso. Essa definição é
árida e sem graça. Muito melhor quando contextualizada com
política. O político candidato diz:
- Se eu for eleito, revolucionarei a
educação!
Pois bem, agora fica mais fácil.
Digamos que o candidato seja eleito. Se ele revolucionar a educação,
tudo bem, cumpriu a promessa e, em termos lógicos, sua proposição
de implicação foi verdadeira. Se ele não revolucionar a educação,
daí então a proposição era falsa, e ele provou ser mais um
político como os outros.
Agora digamos que ele não seja
eleito. Se ele não revolucionar a educação, ninguém pode reclamar
de nada, porque ele disse que iria fazê-lo caso fosse eleito, mas
não prometeu nada para o caso em que não fosse eleito. Se ele
revolucionar a educação mesmo não tendo sido eleito, também a
proposição era verdadeira, ele não fez nada contrário ao que
prometeu. É claro que tal cenário é extremamente improvável, e
admito que ensinar implicação lógica talvez fique mais confuso se
o professor botar um político que talvez cumpra sua promessa mesmo
sem ter sido eleito.
Agora, digamos que o candidato queira
ser mais persuasivo, quase ameaçador. Ele dirá:
- Revolucionarei a educação se e
somente se eu for eleito!
Nesse caso, a implicação é dupla.
Vale a ida e a volta. Ou seja: se ele não for eleito, necas de
pitibiribas para a educação. Mas o público provavelmente não
entenderia o que ele quis dizer. Imaginem! Usar vocabulário de
demonstração matemática num palanque em que o mais recomendado é
falar pausadamente, com palavras curtas e sem muitas ideias
complexas, para que a massa possa se sentir acolhida e não se sentir
muito alienada do que está acontecendo... Esse candidato, por ser
político, certamente notaria o ar de perplexidade no semblante geral
e se poria a explicar. Talvez demorasse algum tempo, uma meia hora,
ia falar sobre Lógica, sobre os fundamentos da Matemática, sobre
coisas que são, coisas que não são e coisas que são o não-ser,
essas coisas. Alguns entre as pessoas da plateia talvez até
gostassem e entendessem o que estivessem ouvindo, talvez aquilo fosse
a fagulha que faltava para incendiar a curiosidade natural que todos
temos, não que alguém fosse virar doutor por ouvi-lo falar sobre
lógica, mas certamente iria encarar a vida de forma mais
questionadora, querendo mais do que exemplos com laranjas e modelos
medievais de ensino, talvez quisesse retornar para formas mais
antigas e conversar ao redor da fogueira com os mais velhos, ou
inventasse jeitos novos de aprender, quem sabe...
Isto é, o candidato estaria
revolucionando o ensino. Mas ele nem havia sido eleito! Portanto sua
proposição de implicação dupla é falsa, e ele estava mentindo.
Ou seja: não há esperança para
alguns políticos.
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