domingo, 20 de dezembro de 2009

Autor Convidado - Victor Stéfano - Pink Floyd, minimalismo e o problema da comunicação

“For millions of years, mankind lived just like the animals. Then something happened, which unleashed the power of our imagination. We learned to talk”

Aqueles que já leram alguma coisa minha talvez já tenham percebido que eu adoro citar. Especialmente, eu adoro citar o Pink Floyd. Primeiro, porque repetir o que já foi falado, ainda mais o que já foi falado numa música, é um ótimo jeito de se sobressair quando você não tem a menor idéia do que quer ou do que vai acabar dizendo. Por exemplo: seus amigos junkies estão falando de chá de cogumelo e o máximo que você já chegou perto disso foi sopa de champignon. Pra não boiar, você puxa o violão e manda um Ventania ou um Raulzito e tudo resolvido, pode voltar pro seu silêncio drug-free em paz. “All we need to do is make sure we keep talking”.Mas o segundo motivo é talvez o mais importante, que é o modo como eu posso simplesmente escolher qualquer letra do Pulse ou do Atom Heart Mother e sempre tem algo lá pra mim, sempre um ou dois versos rimados que resumem e talvez até algumas vezes resolvam as questões que martelam minha cabeça o dia inteiro e que lá dentro parecem render cadernos e mais cadernos de dissertações. Talvez eu e outros milhões de fãs fanáticos estejamos errados e o Pink Floyd nem seja uma banda fantástica assim, mas uma coisa é inegável: eles se comunicam perfeitamente ou pelo menos chegam muito perto disso. O que pra uns poderia levar um romance inteiro pra expressar, pra eles é uma questão de simplesmente juntar os versos que formam as imagens certas. E isso porque estou falando só da parte “literária”, que é a mais pertinente ao assunto a que eu estou tentando chegar, que é o problema da comunicação, e talvez falar de como a sonoridade influi nisso seja perda de tempo – com certeza não quero discutir gostos aqui.

O que talvez eu esteja sim disposto a perder algum tempo discutindo, é a habilidade de transmitir o que quer que seja que se queira ou que se acabe transmitindo, com as palavras certas. Não estou nem falando de forma. Estou falando de posicionar a antena e achar uma freqüência... muitas vezes você não sabe o que vai captar quando escreve – eu nunca sei - você pode pegar o finalzinho da novela, a TV Senado, a Rede Vida ou passar o resto da noite encarando a tela cheia de moscas piscando e chiando pra você. Nesse aspecto Kurt Cobain foi outro técnico de TV genial, e desconfio que ele também raramente sabia o que ia captar quando apontava as antenas pra si mesmo. Mas a mensagem de Kurt era específica pra nós, geração X, subproduto da era da superinformação, divórcios, e comprimidos que resolvem tudo – nossos pais lutaram contra ditaduras, e nós lutamos contra o quê? Nós mesmos? – e talvez por isso a obra do Nirvana não seja pra todos – mais uma vez, não estou falando de agradar, mas de comunicar. A mensagem está lá. A mensagem sempre está lá quando se fala de arte, mas nem sempre se pode fazer sentido pra todo mundo. Com o Pink Floyd, a mensagem é “uma fumaça de navio distante no horizonte”.

No caso do Nirvana, Kurt Cobain era minimalista, porque sabia que assim quando falasse de si mesmo estaria falando de uma angústia mútua. Até o nexo é um mero detalhe nas letras. O importante é o que se acaba transmitindo, querendo ou não, ligando determinadas palavras de uma determinada maneira. As palavras vinham do que o rodeava, é o máximo que se pode dizer com uma certa segurança, mas na era da convergência isso quer dizer praticamente tudo.

A música que escolhi pra começar esse texto como talvez alguns já saibam, é “Keep Talking”. Pra quem não conhece, essa frase de abertura, que é também a abertura da música, não é cantada, é falada por ninguém menos que o astro pop da física, Stephen Hawking. Quem já viu fotos, sabe que a única forma de expressão que sobrou ao Hawking é justamente a fala. É através apenas dessa fala, que nem sequer é sua voz original, mas de um sintetizador de voz, que Hawking faz física quântica parecer assunto de mesa de bar. Como ele mesmo diz “All we need to do is make sure we keep talking”. Não dá pra dizer que o cara é só um físico. Hawking é um escritor. Quem melhor que um escritor pra dar início a uma música assim?

Estou dizendo isso tudo simplesmente porque muita gente já me disse que gostava do que eu escrevia, apesar de não entender, quando muitas vezes não tem lá grandes coisas pra se entender mesmo nos meus textos... “It doesn’t have to be like this”. Tudo que eu faço é garantir que continue falando e abrir as janelas pra fumaça de neurônios queimando no horizonte. O que eu escrevo não está nem perto de ser uma hemorragia de sentimento ou sinceridade.

Ou talvez eu não tivesse a menor pretensão de dizer qualquer coisa quando transcrevi o começo da Keep Talking ali em cima, e tudo o que eu disse depois foi simplesmente o que acabou sendo dito quando eu liguei certas palavras numa certa ordem.

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O Victor, além de grande amigo meu e parceiro de longas conversas sobre tudo, é guitarrista, compositor, blogueiro e escritor, tendo já um conto publicado na antologia Solarium (de ficção científica). O endereço do seu blog é http://blogdesetecabecas.blogspot.com/

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