A página em branco sempre me dá um
certo pânico, um friozinho na barriga e uma momentânea falta de
léxico que só vai embora quando eu finalmente paro de pensar no que
escrever e começo a escrever de fato. Deixado esse momento incômodo
de lado, o resto flui quase naturalmente.
***
O fim seduz a mente, porque a mente não
consegue entender a própria inexistência. E em tempos de fim do
mundo, de Corinthians ganhando Mundial (e de eu usando futebol como
exemplo no blog; isso sim é o fim!), o fim me bota a pensar.
***
Todo mundo sabe que pode morrer a
qualquer momento. De certa forma, é isso que empresta à vida toda a
sua magia, essa sua incerteza e urgência. Estamos perfeitamente
cientes de que na próxima esquina poderemos virar mingau embaixo de
um ônibus descontrolado, ou podemos estar bons em uma semana e na
seguinte cairmos numa cama de hospital e dali pro buraco... Qualquer
momento pode ser o último, e nunca sabemos quando é o último
momento.
Mas, ainda assim, somos otimistas e na
maior parte do tempo vivemos como se fôssemos continuar vivendo para
sempre. Mas não vivemos para sempre, é claro. Todo ser humano é
mortal, e assim como Sócrates, eu e você somos humanos.
Completei há algumas semanas 19 anos.
Considerando uma expectativa de vida de 70 anos, tenho ainda pela
frente aproximadamente 51 anos. E isso é um pouco mais de 2 vezes e
meia o que eu já vivi. 51 anos, apesar de ser bastante tempo, ainda
é menos tempo do que infinito. E isso é absolutamente assustador.
Assustador não só pelo fato em si,
mas também porque eu sei que conforme o tempo passar, a perspectiva
de ficar mais velho vai ser mais e mais presente. Uma das coisas que
me fez ter esse pensamento foi algo que o Luis Fernando Veríssimo
disse em uma entrevista, quando lhe perguntaram o que ele esperava da
vida: “Nessa altura da vida, a única coisa que eu espero da vida,
é mais um pouco de vida!”.
E ele ainda é uma criança perto do
Niemeyer, recentemente falecido aos 104 anos.
Imaginem por um momento o que é viver
até os 104 anos. Agora imaginem o que é ter 104 anos. Se alguém
com 104 anos parar pra pensar o que eu pensei, pensaria algo assim
“Considerando uma expectativa de vida de 70 anos, eu estou 34 anos
atrasado”. Qual será a quantidade de arrependimentos que uma
pessoa de 104 anos tem? Quantas coisas ela gostaria de ter feito mas
não fez? Qual é a sensação de estar ficando sem tempo?
É claro que envelhecer talvez não
seja algo absolutamente negativo. Afinal, conforme envelhecemos as
lembranças passam a ser companheiras, e o passado nos ocupa a mente
mais do que o futuro ocupava antes; afinal, a morte não chama tanto
a atenção quando temos tantas lembranças bonitas com as quais nos
ocupar.
As páginas em branco perdem a
importância quando temos tantas páginas escritas.
O que se pode concluir disso é aquilo
que todos concluimos sempre, e que muitas vezes já foi concluído
antes, e que ainda muitas vezes será concluido até o fim dos
tempos, enquanto houver algum ser humano para filosofar sobre a
condição humana: não há tempo a perder para ser feliz, e nunca é
tarde para tentar. Imaginem se, na idade do Luis Fernando Veríssimo,
as pessoas se deprimirem e se esconderem, como os cachorros, para
morrer, e aí vivem até os 104 anos como o Niemeyer. Elas terão
passado um terço de suas vidas deliberadamente evitando a
felicidade. Mesmo velho, tu nunca sabe com certeza que não dá tempo
de ser muito feliz mais uma vez.
Se o fígado não aguentar mais o
tranco, convida os amigos e toma um copo de leite! Se embriaga com
chá de camomila! Se o corpo não aguenta mais um futebolzinho, reúne
os amigos e sei lá, joga gamão...
A mesma incerteza que pode nos
assustar, é o que nos protege da sensação de irreversibilidade, é
o que abre precedente para a esperança de mais um dia.
Espero descobrir um dia como é ter 104
anos. E 110, 120! Mas também espero que esse tempo demore a passar;
e que quando passe, que as minhas lembranças sejam o meu livro de
cabeceira.
Boas meditações e boas festas!
2 comentários:
Marcus, meu querido, refleti sobre o teu texto e digo o seguinte: Sei que a minha carcaça sinalizará que existe um limite, mas posso garantir que a cada dia que passa a minha vida está melhor; eu estou melhor. Portanto vivo sem pensar na minha depreciação pelos quilômetros bem vividos e tudo o que vier é lucro! O meu lema é: Juízo? Só o estritamente necessário. Alguém já disse que "todo extremo é vicioso" mas entre ser muito certo ou muito louco...eu fico com a segunda opção. Abração, Vanusa
"Qual é a sensação de estar ficando sem tempo?"
R: Não há tempo para pensar nisso.
Sabe, eu sempre digo que minha expectativa de vida é de mais ou menos 50 anos. Por esse prisma, já vivi mais da metade da minha vida. E, sinceramente, estou satisfeito. Sou um cara satisfeito. Porém, só sou assim porque dentro de mim mora algo de insatisfação, uma espécie de combustível que me compele a querer seguir vivendo e me satisfazendo a cada dia, dure o tempo que for.
E tu ainda tens a coragem de parar de escrever. Isso é um crime absurdo! Uma vez que não tenho mais filosofado tanto no blog, ler tuas divagações me ajuda a ser uma pessoa melhor, fora que teu linguajar parece melhorar a cada dia. Imagina a perfeição que será quando tiveres 104 anos!
Abração!
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