- Pois então, como estava dizendo: não tem como argumentar com eles.
- Hum-hum.
- Entende, simplesmente usamos partes diferentes do cérebro para pensar a mesma coisa. Quero dizer, pelo menos eu uso alguma parte do meu cérebro.
- Não entendi o ponto.
- O ponto é o seguinte: não adianta discutir. Não serve pra nada esse monte de discussões; eu sei que eles estão errados, mas eles não notam. Se parassem para entender o que eu estou dizendo, com certeza mudariam de opinião.
- Hmm, acho que entendi. Passei pela mesma situação hoje mais cedo.
- É? Como foi?
- Foi normal. Eu fui comprar uma milfolhas, você sabe, cobertura de açúcar, recheio com aquele negócio amarelo com que se faz quindim...
- Também não lembro o nome.
- ...ok. Recheio com aquele negócio, e, sabe, a massa folhada com as tais mil folhas. Eu sou particularmente tarado pela cobertura de açúcar, o resto me é até dispensável. Então, como eu dizia, eu fui comprar a milfolhas na padaria aqui perto, e pedi pra atendente da padaria...
- A padeira?
- Não, acho que não. Essa é a que fica lá atrás, não vem pra atender.
- Ah, sim.
- Eu pedi pra atendente da padaria o pedaço de milfolhas que tivesse a camada mais grossa de açúcar. Expliquei pra ela minha tara secreta pelo açúcar...
- ...e ela te deu um tapa?
- Não! Quer dizer, eu não expliquei pra ela nesses termos.
- Hum-hum. Tá, mas o que isso tem a ver com o que eu te disse?
- É... poxa, me esqueci. Ah, não, me lembrei. Então, quando eu falei pra ela da minha predileção pela camada de açúcar, ela falou que para ela essa era a parte menos gostosa, e que quando ela comia milfolhas ela deixava essa parte inteira no prato. Eu fiquei embasbacado. Como podia alguém não gostar da parte do açúcar? Ainda mais uma profissional da área! Ela dizer isso era praticamente um argumento de autoridade, eu não tinha muitas armas com as quais ir contra.
- De fato.
- Bem, me recompus e vim-me embora com aquilo na cabeça. Cheguei em casa e me decidi a entender como alguém poderia não gostar. Sério, enquanto comia eu saboreava a parte do açúcar e as outras partes, me esforçando por encontrar alguma falácia no sabor, alguma inconsistência lógica que justificasse o gosto da atendente da padaria. Queria entender como era possível não gostar do açúcar.
- E aí?
- E aí que eu agora não suporto mais a parte do açúcar.
- Ué, mas por quê?
- Porque eu entendi.
***
Certos debates não irão nunca a lugar nenhum, porque ambos os lados da questão estão mais interessados em vencer o debate do que em mudar de opinião caso se descubra que a própria opinião é equivocada.
O que você acha?
Abraço!
6 comentários:
PERFEITO guri!
Amei a analogia com o doce.
É verdade. Ás vezes debates são inúteis porque algumas pessoas não aceitam que podem estar erradas. Já eu sou do tipo que fico pensando. Quer dizer, quando eu sei que estou certa eu discuto até perceber que não vale tanto a pena. Mas quando resta alguma dúvida sobre a minha "certeza", então fico pensando no que me dizem e posso sim mudar de opinião depois de pensar... Compliquei? Enfim!
Beijão pra tu e estava com saudade daqui e de tu!!!!!!!!!!!!!
Por mais que eu escute num debate,dificílimo a persuasão - dialogando inconclusivamente.Porém,que outra coisa se não o debate poderia oferecer tanta tessitura,tanta vontade,coragem e até arrogância e desprezo...
A arte de debater é uma das melhores,e também das piores;mas atraente demais e inevitável.O mais odiável é quando alguém goje do debate...rs
Bela exemplificação...
Abraço
P.S - Indiquei o post no blog,se se importar,é so falar,e eu tiro,claro...
Nada mais natural numa discussão entre pessoas limitadas.
Lendo também os comentários, não pude deixar de pensar numa aparente diferença entre debate e discussão: no primeiro é possível convergir alguns pedaços de argumentos, encontrar intersecções[talvez seja só o efeito de imaginar um grupo de pessoas e não um duelo], enquanto no segundo há somente dois extremos[agora vem o aspecto enfático do discutir]. E quando não se quer expressar a opinião o que acontece mudar de assunto ou se concentrar em apenas questionar os argumentos do outro, ao invés de contra-argumentar, não é mesmo?
Enfim, gostei da construção do diálogo. Imagino Paul e Ernest conversando assim[dois psicanalistas fictícios].
Gostei do texto. E como eu já disse outras vezes e agora com uma incrível oportunidade digo-lhe de novo
Opinião é igual bunda, tu dá a tua mas nem todo mundo aceita.
E de acordo com as fases da lua, o El Niño, pelo pão nosso de cada dia e pela república e tudo que a grama verde do jardim representa, anuncio que estou de volta à blogoesfera (em meia marcha, mas de volta!).
Bom texto, devaneios te assombram, né maninho?
Abraço!
Eu adorei o texto, a metáfora, a analogia, o debate(ou a ausência dele), o dialógo e tudo o mais que eu não vou saber entender ou descrever
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