sexta-feira, 5 de abril de 2013

Cabeça de Pedra Polida


O desenvolvimento humano é inegável. Sobretudo se compararmos o nosso atual estilo de vida com aquele que praticavam nossos ancestrais mais remotos, nos tempos das cavernas. Desde então, passamos por várias invenções maravilhosas, a roda, a lâmpada, a função shuffle nos tocadores de música; algumas das quais prolongaram nossa vida consideravelmente, como a penicilina e a higiene, ou só deixaram a vida mais fácil, como o automóvel, o correio, a internet.
E o desenvolvimento não se deu apenas no âmbito físico. No mundo das ideias avançamos também, e não só na ciência que é diretamente necessária para haver toda essa parafernália tecnológica da qual somos cada vez mais dependentes. Afiamos nossa percepção de mundo e moldamos os conceitos para se adaptar àquilo que consideramos como “mais humano”.
É por isso que algumas coisas ainda me surpreendem, me tiram do sério, me deixam puto e com vontade de socar alguém.

Recentemente o pastor Silas Malafaia esteve naquele programa de entrevistas da Gabi. O banzé que se seguiu era esperado. Uma pessoa simplesmente não pode aparecer na TV falando o monte de asneiras que ele falava sem causar algum rebuliço.
“Mas Marcus, qual o problema dele ter a opinião dele?”
Ele ter a opinião dele é claro que não é problema. Cada um tem, afinal, a porcaria de opinião que quiser, e vivemos em um país em que cada um pode escolher de que forma deseja estar errado. Parte do problema que está relacionado com ele é a total falta de ética intelectual com que defende seu ponto de vista. Um discurso do dito é simplesmente um Minicurso de como vencer uma discussão sem necessariamente ter razão. Não vou falar de falácias aqui, há lugares nainternet que discorrem longamente sobre o assunto. O que é importante saber é que falácias não são coisas que se usam em uma discussão em que ambos os lados desejam, sobre todas as coisas, que a Verdade seja alcançada. As falácias se usam quando outros interesses estão envolvidos, seja ego, política ou dinheiro.
Um ponto interessante da entrevista do Malafaia é que ele gerou polêmica, mas isso foi benéfico. No meio da poeira e do fogo cruzado, surgiram vários vídeos (aqui e aqui) dissecando os argumentos que ele usou para sustentar sua posição, e os poucos que eu vi são muito bons. E se uma coisa tem subprodutos bons (isto é, traz à tona pessoas dispostas a esclarecer o assunto para aquelas dispostas a esclarecer-se a si mesmas), não foi de todo ruim.
Isso me leva ao outro problema relacionado com a opinião do pastor. A repercussão que ela tem. Isto é, se o Marcus fala sobre um assunto no blog dele, quem é atingido? Poucas pessoas. Agora, se o pastor fala sobre algo, isso atinge muita gente. Esse pastor em especial entra na casa de milhões de famílias várias noites para falar de Deus e do que é certo e errado. Ele próprio pode não agredir um homossexual; mas o que dizer de todos aqueles que o ouvem falar? Esses, se não acabam agredindo diretamente, no fim fortalecem a grande massa de pessoas do “não tenho nada contra, mas...”.
Mas ok, esse segundo problema pode ser questão de liberdade religiosa. Esse é um campo perigoso. Cada religião tem seus pontos de caráter duvidoso, isso não é uma exclusividade dos evangélicos. A Igreja Católica é contra métodos contraceptivos, mesmo em casos de superpopulação e de epidemia de DSTs. Algumas religiões são contra tratamentos com transfusão de sangue. Teve aquele grupo que cometeu suicídio coletivo na passagem de um cometa perto da Terra.
Enfim, é próprio das religiões esses pontos com os quais os demais não concordam. E não podemos chegar para essas pessoas e dizer que elas estão erradas; tecnicamente, elas podem estar certas. No assunto da homossexualidade, de fato existem passagens bíblicas que condenam o ato de um homem dormir com outro homem (todos sabemos o que “dormir com” significa nesse contexto). E se partirmos do pressuposto de que somos inferiores a Deus, que Deus tem seus motivos para ter feito as coisas como são, e que a Bíblia é a palavra de Deus, não temos opção se não aceitar o que está escrito nela. Se não aceita, você pode simplesmente não considerar-se parte do grupo que aceita. Ou pode ir para outro que interprete a coisa toda de forma diferente.
O que eu quero dizer é que o Silas tem direito de acreditar no que acredita, e de professar sua fé para aqueles dispostos a ouvi-la. O que ele não pode fazer é mexer na sociedade das pessoas que não acreditam no mesmo que ele. Ele pode odiar isso, mas existem pessoas no Brasil que não são evangélicas e – isso ele deve achar um verdadeiro absurdo – nem cristãs!
Como muito bem disse Barack Obama em um dos seus discursos depois da sua primeira eleição, a sociedade deve ser dirigida com base naquilo que todos nós podemos ver. A César o que é de César! Da mesma forma que nós não podemos fazer nada em relação ao que o Silas acredita, ele não pode nos impor isso, como, por exemplo, ele gostaria de fazer ao pressionar o Conselho de Psicologia no sentido de voltar a considerar a homossexualidade como uma condição tratável. Isso é um absurdo! A mesma forma de pensar que levou a Psicologia a considerar a homossexualidade como uma característica e não como uma doença foi aquela que nos prolongou a longevidade em pelo menos 40 anos, que nos deu a praticidade do microondas e (mais uma vez) essa maravilha que é o shuffle nos aparelhos de ouvir música. O método científico funciona, e não é porque muita gente acredita no contrário que devemos dar ouvidos ao que eles têm a dizer.

Como eu disse, nós avançamos muito. Mas fatos como a abertura das pernas do estado laico e as escolhas que as pessoas no comando tem feito ultimamente para cargos que poderiam fazer o pensamento avançar... esses fatos tem me feito pensar que, na verdade, ainda não saímos das cavernas.