...Ou não era bem nessa ordem.
Mais uma Páscoa chega, caro leitor*, enchendo as redes sociais de desejos, sentimentos altruístas, piadinhas sobre coelhos e comentários sutilmente (ou nada sutilmente) hipócritas. É a data que todos escolhemos para reavaliar nossa forma de ver a vida, nossa abordagem no relacionamento com as outras pessoas, e acho isso fantástico. Sou muito fã, sabem, de reflexões sobre tudo e sobre nada.
O porquê de escolhermos exatamente essa data para fazermos essas reflexões já é outra história. Já escrevi um bocado (todo Natal, toda Páscoa, todos aniversários...) sobre o quão sem sentido é comemorar algo em uma data específica; afinal, não tem nada de mágico em se ter dado uma volta completa no sol. E, menos ainda, como o ano em si já é uma convenção, nem dá pra dizer rigorosamente que foi completa... Mas enfim, é assim que as convenções sociais funcionam: fazem você fazer algo que você não faria caso ela não existisse, dando um sentido “concreto” para algo que não tem sentido nenhum.
Antigamente eu pregaria que ninguém comemorasse coisa nenhuma, por causa dessa falta de sentido. Mas de lá pra cá tenho pensado bastante (captain obvious strikes again!) e no fim das contas nada tem sentido intrínseco**, e o sentido que as coisas têm é senão aquele que nós inventamos para elas. Por isso agora eu me resignei às convenções sociais, e até vejo certa beleza nelas (aplausos).
De certa forma, é como uma conversa que tive com um amigo sobre um simulador de voo. Ele dizia, sobre um dos bugs na engine do simulador: “É, seria ótimo se tu realmente pudesse fazer aquilo com um avião, mas... né, Física existe!”. Da mesma forma, seria ótimo se as coisas fossem como achamos que deveriam ser, mas... né, humanos são humanos! E muitas vezes são demasiado humanos...
Ainda sobre convenções: em alguns momentos parece que se convencionou que ninguém deve ser como é, e sim como todos acham que deveria ser. A não ser que seja entre (verdadeiros) amigos, as pessoas estão sempre usando máscaras, e máscaras em cima de máscaras... e quem não usa uma máscara ao gosto dos demais, é sumária e cruelmente realocado num canto escuro. Não é possível não usar máscaras às vezes, já que antes de uma pessoa tornar-se amiga de outra, ela deve passar necessariamente pelo status de “conhecido”, e nessa fase as máscaras ainda estão postas.
No filme Little Miss Sunshine, um personagem fã de Nietzsche fala da mesma coisa por uma metáfora diferente: “A vida é uma sucessão de concursos de beleza, primeiro a escola, daí o trabalho, a vida amorosa...”*** e por aí vai. A conclusão só que é diferente: enquanto no filme eles concluem algo como “fodam-se os concursos de beleza”, eu já penso que, a menos que conhecer gente nova e ter amigos não seja algo importante, se deve sim entrar no esquema e dançar conforme a música. É claro que em algum nível da ética isso está errado, dependendo como se encara dá até uma sensação ruim, sensação de atmosfera doentia de falsidade (!), no entanto acredito que é possível participar desse ritual macabro de aceitação de forma não dolorosa...
Mas com uma máscara leve, para que nunca se esqueça o que é máscara e o que é importante.
Boas reflexões!
* - Supondo que haja algum leitor aqui.
** - Sob uma visão de mundo determinista e não-sobrenatural, é claro, que coincidentemente é a visão de mundo deste que vos escreve.
*** - Essas coisas eu cito de cabeça e com certeza não estão iguais ao original, mas garanto a similaridade.
**** - Você deve estar se perguntando “E o sexo do título?”, mas era só uma jogada de marketing. Sorry.